Notícias

Haddad e Flávio Dino: educação e unidade derrotarão projeto representado por Bolsonaro

Em ato no Tuca no início do Salão do Livro Político, ex-prefeito e governador exaltam Paulo Freire, defendem Lula e falam dos desafios de superar momento político adverso. Deputada trans do Psol pede ampliação de pautas por parte da esquerda

Ainda sob o impacto dos atos pró-governo realizados no domingo, que não podem ser subestimados, e já sob a expectativa da manifestação nacional em defesa da educação marcada para quinta-feira (30), o ex-ministro e ex-candidato Fernando Haddad (PT) e o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), entre outros, exaltaram ontem (27) à noite a importância do ensino, defenderam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e falaram em unidade. Dino alertou que “só é possível fazer essa frente ampla com aqueles que não são iguais a nós”, referindo-se principalmente à classe média. “Não vamos deixar pequenas diferenças – e a esta altura menores ainda – nos afastar do grande objetivo acalentados pelos professores e estudantes, de construir uma grande nação”, afirmou Haddad na abertura da quinta edição do Salão do Livro Político, em um abarrotado Teatro da Universidade Católica (Tuca), na zona oeste de São Paulo. O público superou com folga a capacidade oficial, de 665 lugares.

A deputada estadual Erica Malunguinho (Psol-SP), que completava a representação partidária da mesa, defendeu “radicalidade contra as violências estruturais” do país, pedindo também nova postura inclusive da esquerda – que precisaria, afirmou, “construir o discurso de gênero e de raça como fundamento e não como recorte”. Negros e transgêneros, acrescentou a parlamentar, devem escrever e não só ser destinatários de políticas públicas. “Estamos falando de estrutura e institucionalidade. A institucionalidade é um reflexo disso que praticamos no cotidiano.”

Considerando-se uma “sobrevivente”, nascida no “bairro mais preto de Recife”, Água Fria, Erica diz que uma situação de história hegemônica em curso e que o atual governo reflete situações construídas há muito tempo, fazendo com que “expoentes do ultra-reacionarismo ascendessem ao poder”. “O golpe foi dado desde o projeto colonialista. A partir disso, tudo é consequência”, acrescentou, defendendo “um novo marco civilizatório”.

Durante todo o ato, eram exibidas em um telão imagens do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, feitas pelo fotógrafo oficial Ricardo Stuckert. O ator Sérgio Mamberti leu carta assinada por Lula para o Salão do Livro Político, que vai até a próxima quinta, no Tucarena, ao lado do teatro principal (leia a íntegra ao final deste texto). Segundo Ivana Jinkings, que dirige a Boitempo, o evento reúne aproximadamente 40 editoras independentes. Toda a programação pode ser vista no site do evento.

Paulo Freire

A edição deste ano homenageia Paulo Freire, Patrono da Educação Brasileira, que vem sendo atacado pelos bolsonaristas. Nita Freire, viúva do educador, e Lutgardes, filho dele e de Elza, primeira esposa de Paulo, falaram sobre sua importância e a universalidade dos métodos de ensino,  reconhecidas pela Unesco, das Nações Unidas. Nita referiu-se à “sandice desse homem (Bolsonaro) e de seus três filhos”.

“Paulo Freire é a antítese de Bolsonaro”, disse Haddad. “Primeiro, por ser culto. Segundo, por respeitado no mundo inteiro. Era recebido com tapete vermelho em qualquer lugar do mundo, inclusive Nova York”, ironizou. O presidente da República, que pretendia receber uma homenagem na metrópole norte-americana, foi rechaçado pelo prefeito, Bill de Blasio. O ex-ministro disse ainda que Freire e Anísio Teixeira eram “referências’ na gestão do Ministério da Educação sob Lula.

Segundo o ex-candidato do PT à Presidência da República, Bolsonaro não é representante de uma “onda mundial conservadora”, sendo rejeitado pela própria extrema-direita internacional. “Ele é a representação desse enorme atraso, do que temos de pior, é a representação viva desse passado que estávamos tentando superar.

O ex-prefeito e ex-ministro da Educação citou trabalho divulgado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes), mostrando um perfil do estudante universitário que aponta, por exemplo, que 51% deles são negros, 70% têm renda per capita de até 1,5 salário mínimo e 60% vieram de escola pública. Sinais, segundo Haddad, de que “alguma coisa estava mudando neste país”, com mais acesso à educação.

Ele reservou uma ironia também para o empresário Luciano Hang, dono da Havan, afirmando que ele prosperou justamente durante governos petistas. “Muita gente ganhou dinheiro no Brasil. Curiosamente, o ‘véio da Havan’ (como Hang é chamado pejorativamente em redes sociais e manifestações públicas), que entrou na lista da Forbes, de bilionários, disse que com a eleição de Bolsonaro estávamos nos livrando do comunismo.”

Para Haddad, a corrupção nunca foi “a agenda de verdade” das manifestações pró-Bolsonaro. “Se esse fosse o problema, não tinha ninguém na rua ontem. Porque essa família está enrolada até o pescoço.” Segundo ele, existiu principalmente no governo Lula um “incômodo de mexer na estruturas deste país”.

O ex-chanceler Celso Amorim considerou simbólico, negativamente, o fato de manifestantes neste domingo terem arrancado uma faixa em defesa da educação na Universidade Federal do Paraná. “É uma luta de cultura, de civilização, de humanidade”, afirmou, reafirmando a política externa “ativa e altiva” da gestão Lula, que segundo ele chegou a receber um pedido de conselho do próprio presidente norte-americano, George W. Bush, em relação à Venezuela. “Hoje nós recebemos ordens, quase colocando o país em guerra”, comparou.

Para Amorim, a prisão de Lula aumentou sua projeção. “Nesse tempo que tentaram aprisioná-lo, ele só fez crescer. O Brasil se apequenou, mas Lula cresceu.”

Leia a íntegra da carta enviada por Lula para o Salão do Livro Político:

Ler é um ato político. Não é por acaso que nossos adversários, ao mesmo tempo que tentam criminalizar a política e impedir toda e qualquer forma de ativismo, atacam com tanto ódio o saber, o conhecimento. Querem mais armas e menos livros. Mais jovens presos e abatidos por disparos de helicópteros do que com acesso ao ensino público de qualidade. Disparam sua artilharia pesada contra a educação como um todo, e a universidade em especial. Agridem a ciência, estrangulam a pesquisa.

Ler é resistir. E nós resistimos nas trincheiras cavadas com tanta garra e tanto carinho por gente que nem Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira e cada professora e cada professor anônimo deste país, que nossos adversários tentam inutilmente destruir. E nós resistimos, porque a vida nos ensinou, e porque aprendemos com nossos mestres.
Nossos adversários odeiam o fato de termos criado mais universidades e institutos tecnológicos do que todos os que governaram antes de nós. Distribuímos bolsas de estudo, garantimos acesso ao crédito estudantil e colocamos jovens negros e pobres no ensino superior como nunca antes na história. Criamos políticas públicas de acesso ao livro e à leitura e espalhamos bibliotecas pelo país afora.

A educação foi e será sempre a nossa maior riqueza e a nossa principal forma de resistência. É por isso que nossos adversários se surpreendem e se assustam quando uma juventude esclarecida enche as ruas em defesa da educação, lutando contra os retrocessos de um governo que tem o povo brasileiro como seu principal e mais temido inimigo.
Ler é ser livre. Estou há mais de um ano preso pelo “crime” de sonhar e trabalhar pela construção de um país onde um pai de família não fosse mais obrigado a escolher entre comprar um pão ou um caderno para seus filhos. Onde uma mãe de família não tivesse que partir um lápis no meio para que seus filhos pudessem estudar. Por esse “crime” estou preso, e, no entanto, mais livre do que nunca, graças aos livros e à leitura.

Nestes 13 meses de quase solidão – não fossem as visitas de parentes e amigos e o carinho da incansável vigília na porta do cárcere em Curitiba – tenho lido muitos livros. Cavalguei com Riobaldo e Diadorim pelas veredas do grande sertão de Guimarães Rosa. Cruzei o Atlântico em navio negreiro ao lado de Luísa Mahin, no extraordinário romance “Um defeito de cor”, de Ana Maria Gonçalves.

Navego nas águas da ficção, mas tenho, sobretudo, me dedicado aos livros dito políticos – com a ressalva de que se ler é um ato político, todo livro é político, seja ele de poesia, romance, contos, filosofia, sociologia, economia ou ciências políticas.

Mas é o livro propriamente político, razão de ser desse Salão, que quero saudar agora. É principalmente graças aos livros que, quando a justiça for restaurada neste país, sairei da prisão sabendo mais do que quando entrei.
Um abraço a todos e todas, e viva o livro!

Luiz Inácio Lula da Silva

Deixe um comentário