São Paulo – “Podemos observar uma acentuada tendência de queda no número absoluto de homicídios na população branca e de aumento nos números de vítimas na população negra. Essa tendência se observa no conjunto da população e de forma bem mais pronunciada na população jovem.” Esta é uma das principais conclusão do Mapa da Violência 2013: Homicídio e Juventude no Brasil, publicado hoje (18) pelo Centro Brasileiro de Estudos Latino-americanos (Cebela) e pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Flacso), a partir de dados disponíveis no Subsistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde.
De acordo com o estudo, elaborado pelo pesquisador Júlio Jacobo Waiselfisz, ocorreram em 2002 no Brasil 45.997 homicídios: 18.867 vítimas (41%) eram brancas e 26.952, ou 58,6%, eram negras. No grupo de “negros”, Waiselfisz incluiu as pessoas pretas e pardas. Em 2011, os assassinatos contra a população geral, que nove anos antes já atingiam prioritariamente os negros, se intensificaram contra esse grupo racial: das 49.307 pessoas assassinadas no país, 13.895 (28,2%) eram brancas e 35.207 (71,4%) eram negras. Isso significa que, enquanto o homicídio contra os brasileiros brancos foi reduzido em quase um terço (31,3%) na última década, o número de vítimas negras cresceu 21,9%.
Entre os brasileiros localizados na faixa etária de 14 a 25 anos, essa tendência se observa com ainda mais força. O Mapa da Violência 2013 aponta que entre 2002 e 2011 morreram 50.903 jovens brancos e 122.570 jovens negros – uma diferença de aproximadamente 150%. Em 2002, a juventude branca representava 36,7% das vítimas de homicídio juvenil. Em 2011, esse índice foi reduzido para 22,8%. Os jovens negros – que, assim como nos dados relativos à população geral, já eram vítimas preferenciais dos assassinatos – passaram em 2011 a sofrer 76,9% das mortes violentas. Em 2002, essa taxa era de 63%.
“Dessa forma, se os índices de homicídio do país nesse período estagnaram ou mudaram pouco, foi devido a essa associação inaceitável e crescente entre homicídios e cor da pele das vítimas, pela concentração progressiva da violência acima da população negra e, de forma muito especial, nos jovens negros”, explica Waiselfisz ao analisar os números. “E o que alarma mais ainda é a tendência crescente dessa mortalidade seletiva.” Essa tendência não é precisamente uma novidade, uma vez que já vinha sendo observada nos Mapas da Violência publicados pela Cebela e Flacso em 2011 e 2012.
Ranking
O Brasil é o sétimo colocado no mundo em casos de homicídios. A cada 100 mil habitantes, 27,4 são vítimas de crimes. No caso de jovens entre 14 e 25 anos, o número aumenta para 54,8. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), compilados pelo Mapa da Violência 2013, todos os dez países com os mais altos índices de homicídios contra a juventude estão na região da América Latina e do Caribe. El Salvador lidera o ranking pelas Ilhas Virgens, Trinidad e Tobago, Venezuela, Colômbia, Guatemala, Brasil, Panamá, Porto Rico e Bahamas.
Segundo o estudo, esses índices são explicados pela incidência de problemas estruturais de origem política, econômica e social, como desigualdade e falta de acesso a serviços básicos combinados ou não a conflitos armados, como os que acontecem na Guatemala, El Salvador e Venezuela, motivados pela delinquência e violência urbana. No caso dos homicídios de jovens, o Brasil tem taxa mais de 500 vezes maior do que a de Hong Kong, 273 vezes maior do que a da Inglaterra e do Japão, e 137 vezes maior do que a da Alemanha e da Áustria.
Na década de 1990, o Brasil chegou a ocupar a segunda colocação nesse ranking da OMS, liderado então pela Venezuela. A queda brasileira na lista dos países com as maiores incidências desse tipo de crime não significa que a violência foi reduzida, mas que houve aumento em outros lugares no mundo. Waiselfisz, autor do Mapa 2013, explicou que a violência tem causas e consequências múltiplas. Apesar disso, é possível notar, no caso brasileiro, três fatores determinantes: em primeiro lugar, a cultura da violência. Segundo ele, no país, existe o costume de se solucionar conflitos com morte, parte disso herança de raízes escravagistas no continente.
Em segundo lugar, Waiselfisz aponta a grande circulação de armas de fogo. Estima-se que, no país, haja cerca de 15 milhões de armas das quais, a metade delas ilegal. “Uma pesquisa feita em escolas mostrou que muitos jovens sabem exatamente onde e como comprar uma arma. Juntar uma arma à cultura de violência é uma mistura explosiva, são incompatíveis entre si”, disse Waiselfisz.
Outro ponto é a impunidade. Para ele, isso funciona como um estímulo à resolução de conflitos por meio de vias violentas. De acordo com o Relatório Nacional da Execução da Meta 2 da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Ministério da Justiça, foram identificados quase 150 mil inquéritos por homicídios dolosos – com a intenção de matar – anteriores a 2007. Depois de um mutirão de um ano, foram encaminhados à Justiça apenas 6,1% dos casos.