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‘Lastimável que uma pessoa tenha sido morta brutalmente pela sociedade comum’

São Paulo – A Polícia Civil investiga a morte da dona de casa Fabiane Maria de Jesus, linchada por vizinhos no Guarujá, litoral de São Paulo, no último sábado (3), ao ser acusada, sem nenhuma prova, de sequestrar crianças da comunidade para a prática de magia negra. Fabiane sofreu traumatismo craniano e foi internada em estado grave, mas não resistiu e morreu na segunda-feira (5). O coordenador do Programa de Justiça da Conectas Direitos Humanos, Rafael Custódio, lamentou a atitude violenta da população. “O lastimável é que, inocente ou não, uma pessoa foi morta brutalmente pela sociedade comum. É absurdo que as pessoas tenham ido às ruas e feito justiça com as próprias mãos.”

Os moradores atacaram a dona de casa após a confundirem com uma mulher descrita em retrato falado publicado na página do Facebook Guarujá Alerta. Segundo o advogado da família de Fabiane, Airton Cinto, a postagem dizia que a pessoa da imagem realizava magia negra com crianças. O espancamento foi gravado por testemunhas e os vídeos foram divulgados por Cinto. Nas cenas, a brutalidade da ação coletiva é flagrante e chocante.

Custódio critica a divulgação do retrato falado pela página, que, segundo ele, “incentiva o ódio e a violência”. O coordenador da Conectas ainda compara a iniciativa online com programas sensacionalistas que também despertam sentimento de desconfiança e violência nos espectadores. Ele acredita que os veículos de comunicação continuam a incentivar e a tolerar atitudes irracionais – como o recente ataque a um adolescente negro, preso a um poste e espancado por cidadãos, no Rio de Janeiro, acusado de praticar furtos na região. O ato foi considerado “razoável” e até elogiado pela apresentadora do SBT, Raquel Sheherazade.

“O Brasil teve uma discussão sobre esse tipo de programa de TV há alguns anos com uma campanha do Estado que dizia ‘Quem financia a baixaria está contra a cidadania’. Os programas sensacionalistas recebiam notas baixas e os patrocinadores ficavam constrangidos de financiá-los. Mas aparentemente tudo foi em vão. Este tipo de programa continua absolutamente livre e incentivando a intolerância e a desconfiança das pessoas com relação ao outro”, argumenta Custódio.

As pessoas envolvidas no linchamento e na publicação do retrato falado serão investigadas pela Polícia Civil. “É o Estado que é estruturado e capacitado para investigar pessoas, processá-las, levar a julgamento, prender, se for o caso. A população não pode simplesmente ir às ruas para fazer justiça com as próprias mãos.”

Para Rogério Giannini, presidente do SinPsi, há mais do coincidência nessa escalada de linchamentos: “O clima de intolerância e preconceito tem se acirrado e a midia cumpre papel nisso. Ancoras de telejornais e de programas noticiosos tem feito falas que são claramente apologia à violência. Há tambem um ambiente propício à a outras formas de linchamento, como o moral e de reputações, e as mídias sociais tem sido um elemento potencializador e também organizador de um certo tipo de conduta social. Há uma forma cruel e covarde de ataques e esse último episódio é um triste exemplo do potencial de dano. Como diz a letra da canção Bola de Meia, Bola de Gude – Fernando Brant / Milton Nascimento, não podemos aceitar qualquer sacanagem ser coisa normal”

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