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Lei Maria da Penha completa três anos em vigor

“Acordei de repente com um forte estampido dentro do quarto. Abri os olhos, não vi ninguém. Tentei me mexer, mas não consegui. Imediatamente fechei os olhos e só um pensamento me ocorreu: ‘Meu Deus, o Marco me matou com um tiro’”, relembrou a bioquímica Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à Lei nº 11.340, sancionada em 7 de agosto de 2006 e que nesta terça-feira (22) completa três anos em vigor.

O autor do crime em 1983 que deixou Penha paraplégica é o pai de seus filhos, o economista Marco Antonio Heredia Viveiros, que alegou à época que o tiro foi disparado por ladrões; duas semanas depois tentou eletrocutá-la na banheira. Denunciado, o agressor foi condenado, apelou, teve o julgamento cancelado e, somente em outubro de 2002, meses antes da prescrição do crime, foi julgado e condenado a 19 anos de prisão, atualmente cumprindo em regime semi-aberto.

Em 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos inquiriu o Brasil denunciando o Estado como “tolerante com a violência contra a mulher”. O país mudou a legislação, reconhecida atualmente como uma das mais avançadas do mundo no combate à violência contra a mulher.

Em linhas gerais, a Lei Maria da Penha, responsabiliza família, Estado e sociedade pela garantia dos direitos da mulher, prevendo ainda a elaboração de políticas públicas para resguardá-los. Com ela, o Código Penal foi alterado e permite que agressores sejam presos em flagrante ou tenham prisão preventiva decretada. Outras medidas para proteger a mulher, como por exemplo, a saída do agressor de casa, a proteção dos filhos e o encaminhamento das vítimas e seus filhos para uma casa abrigo foram incorporadas.

A violência psicológica passou a ser caracterizada como violência doméstica e as penas que eram brandas – como pagamento de multas ou cestas básicas – foram proibidas, sendo previstas penas de três meses a três anos de detenção, conforme proposição do Ministério Público. A Lei de Execuções Penais também mudou e prevê o comparecimento obrigatório do agressor a programas de reeducação. Outra inovação da lei foi determinar que, uma vez feita a denúncia, a mulher só poderá retirá-la diante do juíz.

*Cultura machista e patriarcal*
O assassinato da jornalista Sandra Gomide pelo também jornalista Antonio Pimenta Neves, em agosto de 2000 é um exemplo da falta que fez o dispositivo de retirar a queixa somente na frente do juíz. Sandra não acreditou no pior e retirou a queixa contra Neves. “Ele era estúpido sexualmente e a chamava de vagabunda”, disse o tio da vítima, Carlos Roberto Florentino, em depoimento à Justiça ao descrever o agressor. A determinação de Sandra de romper o relacionamento acirrou a violência do jornalista, que passou a ameaçá-la, chegando a ponto de invadir o apartamento para espancá-la, meses antes do desfecho fatal.

Segundo Márcia Buccelli Salgado, coordenadora das Delegacias de Defesa da Mulher do Estado de São Paulo, é preciso “divulgação maciça” quando se lida com um problema cultural e que envolve valores arraigados na sociedade, como é caso da violência contra a mulher. “A lei pede uma revolução de conceitos para se desmistificar a velha história de que a mulher sempre precisa respeitar. O problema é que ninguém ensina que ela precisa ser respeitada também”, diz. “Os homens ainda são criados na concepção de que ele é o galo que manda no galinheiro”, afirmou Márcia à Rede Brasil Atual.

Nilcéa Freire, ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), afirmou que “a cultura machista e patriarcal, que permanece forte e arraigada na sociedade é evidenciada pelas resistências de implementação da Lei Maria da Penha”. “Isso se dá, sobretudo, na máquina do Estado de forma subliminar com o arquivamento dos processos, as declarações de inconstitucionalidade, as piadas e as brincadeiras.”, explicou a ministra.

*Ligue 180
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O serviço gratuito da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, da SPM, registrou, de janeiro a junho deste ano, mais de 161 mil atendimentos – 32,36% de aumento em relação ao mesmo período de 2008, que teve 122 mil registros. São Paulo lidera o ranking nacional em números absolutos com 54 mil atendimentos, seguido pelo Rio de Janeiro, com aproximadamente 20 mil. Do total, 47,37% (mais de 76 mil contra 49 mil em 2008) deve-se à busca por informações sobre a Lei Maria da Penha.

*Tipos de violência*
O mais comum no Estado de São Paulo, segundo Márcia Buccelli Salgado, são as queixas de lesões corporais e as ameaças “de que vai bater, matar ou sumir com os filhos”. Ainda segundo as estatísticas do Ligue 180, dos mais de 17 mil relatos de violência registrados, 93% são relacionados à violência doméstica e familiar, sendo que em 67% os agressores são, na sua maioria, os próprios companheiros. Violência física (9.283) e psicológica (5.734) estão no topo. Na maioria dos casos, as mulheres declaram sofrer agressões diárias (69,28%).

Chama a atenção os pouco mais de 800 casos classificados como dano emocional ou diminuição da auto-estima. Segundo a SPM, a categoria foi inserida no sistema a partir de março deste ano para dar visibilidade a uma demanda recorrente que não está tipificada no código penal como crime, mas presente no discurso das mulheres que utilizam os serviços da Central. “Ameaça é um crime bastante elástico. Na cabeça de uma mulher às vezes é mais grave ‘vou sumir com os teus filhos’ do que dizer ‘vou te dar um soco na cara'”, exemplifica Márcia.

Em relação ao perfil das mulheres que usaram o serviço, a maioria é negra (43,26%); tem entre 20 e 40 anos (66,97%); é casada (55,55%), e um terço cursou até o ensino médio.

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