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Lei que obriga inclusão da temática étnico-racial nas escolas é fruto de antigas reivindicações do movimento negro

O estado de São Paulo não faz a aplicação devida da Lei 10.639/03 nas escolas públicas, afirmam professora, dirigente e defensora pública

“Meus heróis não viraram estátuas, morreram lutando contra aqueles que viraram”. Esta afirmação é do protagonista de Uma História de Amor e Fúria, ouvida por muitas famílias, neste ano, nas salas de cinema do país. O filme retrata quatro períodos de luta no Brasil, dentre os quais está o da resistência nos quilombos, a partir dos que foram escravizados. Ali, homens e mulheres, negros e negras, foram reconhecidos como heróis do povo brasileiro.

O que tem de novo nisso? A narrativa foi apresentada de forma inversa à costumeira versão oficial encontrada na maioria dos livros didáticos do ensino fundamental e médio, em escolas públicas e privadas, onde os brancos são os únicos heróis da pátria. Mas a história é mais embaixo.

Em 2013, comemoram-se 10 anos de conquista da Lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003, promulgada pelo ex-presidente Lula, que obriga a inclusão da história e cultura africana e afro-brasileiras nos currículos escolares de todas as redes de ensino do país.

Como forma de resgatar as raízes que vieram do outro lado do Atlântico e trouxeram suas tradições e costumes, a secretária de Combate ao Racismo da CUT São Paulo, Rosana Aparecida da Silva, explica que esta lei alterou outra, de caráter nacional e universal, nº 9.394/96, que é a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). “A 10.639 é uma legislação que orienta toda a educação nacional, não é específica. Ela também não é só do movimento negro, mas de toda a sociedade”.

Por isso, afirma a dirigente, o poder público precisa fazer cumprir o seu papel. “Estados e municípios devem promover ações que permitam aos alunos compreender a formação cultural e social do Brasil e, ainda, combater na sociedade qualquer tipo de violência contra a cor de pele”, cobra Rosana.

A reivindicação é de todo o movimento cutista, mas a realidade paulista tem sido diferente, como afirma a coordenadora do Núcleo de Combate à Discriminação, Racismo e Preconceito da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Vanessa Vieira. “Esta lei representa um enorme avanço na luta por reconhecimento da população negra. No entanto, hoje o grande desafio é a implementação, pois muitas escolas, ou não observam, ou cumprem de forma insatisfatória a legislação”.

Em 2011, a Defensoria Pública estadual solicitou à Secretaria de Educação respostas sobre a aplicação das leis 10.639/03 e 11.645/08 (que inclui o ensino da temática indígena). O pedido foi inicialmente enviado a 40 escolas, mas apenas 16 responderam aos ofícios. Dentre estas, quatro apresentaram planejamento de ações sobre a questão étnico-racial.

A ausência do governo estadual é fato confirmado pela militante da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Negras (Uneafro), Adriana de Cássia Moreira, que é também professora da rede pública. “Ainda que a lei se apresente enquanto uma política, cujo escopo de suas ações deveria incidir sobre todo o sistema educacional formal, o que se observa é sua operacionalização enquanto uma política específica. O valor antirracista deveria nortear todas as ações da educação brasileira, mas, infelizmente, as ações nesse sentido são tímidas”, relata.

A secretária de Combate ao Racismo afirma que a gestão tucana deveria fazer valer a legislação nacional, mas sequer participou das conferências da igualdade racial que ocorreram neste ano. “O governo de São Paulo não acompanha os debates e não têm ações para incentivar os professores/as da rede; promove cursos aleatórios e complementares com os docentes, mas não coloca em ação e não considera o tema como matéria a ser dada nas salas de aula”, critica Rosana.

Neste sentido, a formação contínua de professores/as na área, como incentivo ao trabalho dentro de classe, e a produção de material didático sobre a questão racial, a ser distribuído para a rede de ensino, são defesas feitas pela CUT/SP.

Para a secretária, a participação da família, da comunidade escolar e de movimentos sociais deve ser incentivada – como indica o primeiro artigo da LDB – tanto para o acompanhamento do cotidiano da escola e de práticas discriminatórias que acontecem, como para pensar a elaboração dos currículos da educação.

Afinal, “são muitas as denúncias que chegam ao Núcleo da Defensoria Pública, que relatam situações de discriminação racial no contexto escolar. Essas práticas seriam diminuídas, ou eliminadas, se houvesse ações e uma política pública consistente visando ao respeito às diferenças na escola e na sociedade”, conclui Vanessa.

Pimesp é retrocesso à política nacional de cotas

Apesar de a política nacional de cotas alcançar resultados positivos em todo o país, com a democratização do ensino superior para a população negra e indígena,  o governo estadual sempre se manteve na contramão ao adotar o Programa de Inclusão com Mérito no Ensino Superior Público Paulista (Pimesp), que garantia uma parcela das matrículas nas universidades estaduais (USP, Unesp, Unicamp) e Fatecs aqueles que concluíram todo o ensino médio em escola pública. Na prática, a proposta obrigava o estudante a fazer um curso intermediário por dois anos e só garantia a vaga em universidade pública se o aluno alcançasse aproveitamento mínimo de 70% – situação que nunca ocorreu em nenhuma outra parte do país.

Para a CUT/SP, o programa sempre foi discriminatório, pois reforçava o preconceito quanto à baixa expectativa de desempenho dessas populações e ao rebaixamento da qualidade do ensino nas instituições que adotaram as cotas.

Este debate, que ocorria desde o ano passado, foi barrado em 2013, quando as faculdades mais tradicionais da USP rejeitaram o projeto do governo estadual. A partir desta votação, outras universidades e faculdades se dispuseram a discutir o tema das cotas.

Por isso, a Frente Pró Cotas do Estado de São Paulo, da qual participam movimentos sociais e sindicais, lançou o Abaixo-Assinado do PL de Cotas. A luta é por uma política paulista que contemple, de fato, as necessidades dos que sempre foram excluídos do acesso ao ensino superior.

PL de Cotas Raciais e Sociais nas Universidades públicas de SP

A CUT/SP apoia a coleta de assinaturas da campanha pelo Projeto de Lei de Iniciativa Popular de Cotas Raciais e Sociais nas Universidades públicas paulistas, uma iniciativa da Frente de Lutas Pró Cotas Raciais de SP. A meta é alcançar 200 mil assinaturas até o final deste ano, para apresentar a proposta à Assembleia Legislativa de São Paulo, ainda em 2013.

O PL propõe a criação de uma política que contemple de fato as necessidades da população negra e indígena. Contém, entre outras propostas, a reserva de 25% para candidatos autodeclarados negros e indígenas; 25% para oriundos da rede pública de ensino – sendo que, deste percentual, 12,5% serão reservados para estudantes cuja renda familiar per capita seja igual ou inferior a 1,5 salário mínimo.

A Central destaca que, segundo avaliações de diferentes universidades públicas, a política nacional de cotas aumentou em sete vezes a presença de estudantes de baixa renda nessas instituições de ensino e é aprovada por 60% dos brasileiros.

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