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Levando São Paulo no bico: base de Alckmin enterra investigação do Conselho de Ética

Na 4ª reunião extraordinária do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar da Assembleia Legislativa de São Paulo, ocorrida na manhã desta quinta-feira (27), os deputados da base aliada do Governador Geraldo  Alckmin conseguiram acabar com os trabalhos de investigação da comissão de ética, que apura as denúncias de suposta venda de emendas parlamentares. Um relatório final, que ainda não está pronto, será apresentado em até 15 dias e encaminhado ao Ministério Público para que se realize a investigação em sigilo.

O requerimento proposto pelo deputado estadual Campos Machado (PTB), que foi motivo de debate na tarde de ontem, quando os deputados da base minoritária tentaram prorrogar o trabalho do conselho, prevê que sejam encerrados qualquer investigação pela Assembleia, como, por exemplo, a possível instalação de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) para aprofundar a apuração.

As denúncias tiveram início quando o deputado estadual Roque Barbiere (PTB), da base governista e do mesmo partido de Campos Machado, afirmou em uma entrevista ao programa virtual Questão de Opinião que de 25% a 30% dos deputados paulistas trocam a indicação de verba pública a um município ou instituição pelo recebimento de uma parcela do recurso liberado, o que significa desvio de dinheiro público – a venda de emendas parlamentares.

Golpe para engavetar as denúncias
A votação do requerimento que colocou fim aos trabalhos do Conselho de Ética não estava na pauta do dia da sessão de quarta-feira (26). Inclusive, a antecipação da reunião do conselho do dia 27 para o dia 26 já foi o início da manobra, pois queriam evitar que a reunião coincidisse com a manifestação de entidades e movimentos sociais que pediriam pela instalação imediata da CPI. O deputado Campos Machado, que defendeu ferrenhamente o governo durante todo o funcionamento do conselho, solicitou que o requerimento sobre o encerramento da investigação do conselho fosse colocado na ordem do dia. Depois de debate com a oposição, o pedido foi aprovado por cinco votos a dois, uma vez que a base governista era maioria no conselho, com um total de sete membros.

Uma vez aprovado, a base de Alckmin passou a agir para que a questão passasse de última para a primeira pauta na ordem do dia, o que também foi aprovado pela maioria.

Depois de todo o processo ensaiado, a base do governo pediu para que se garantisse regime de urgência para o requerimento, acabando com a possibilidade para que qualquer deputado pedisse revisão do item. A partir de então, encerrou o capítulo com a votação do fim do Conselho.

Desmoralização
O presidente do Conselho, o tucano Helio Nishimoto (PSDB), foi apontado pela bancada petista como o responsável por patrocinar toda a “manobra”. “A cobrança virá ao deputado Helio, uma vez que usou o direito a serviço daqueles que têm o poder de mandar e não como um instrumento para se fazer justiça. O presidente teve a condição de engavetar os processos e assim o fez. Portanto, deverá ser cobrado por essa desmoralização. Se o PSDB e o governo não tem nada a ver com a denúncia, por que engavetar a investigação então?”, questionou o deputado Adriano Diogo (PT), que pediu o uso da palavra para endossar o coro de indignação da bancada de oposição ao fim dos trabalhos do conselho.

“A abertura de uma CPI nos permite apurar melhor e encaminhar mais informações ao Ministério Público. Não negamos o trabalho e a atuação do MP em investigar o caso. Pelo contrário, somos a favor, uma vez que, inclusive, o MP já iniciou o processo de investigação. Agora, o que não podemos é deixar que o conselho não cumpra com uma de suas funções, que é julgar se houve quebra de decoro ou não do deputado Roque Barbiere”, contestou o deputado Ennio Tatto (PT), líder do PT na Assembleia.

O deputado Marco Aurélio (PT), membro do conselho de ética, ainda completou: “Não estamos pedindo para o MP não investigar. Estamos pedindo para que a Assembleia faça o seu papel e dê satisfação para a sociedade. Uma acusação grave como esta não pode ficar sem resposta. O que não é possível se apurar no conselho, que se faça então em uma CPI. O que não podemos é arquivar o caso sendo que a cada dia surgem mais elementos para serem apurados. Precisamos ter responsabilidade”.
 
No final da sessão extraordinária da assembleia do dia 25/10, o deputado Roque Barbieri, que trouxe o caso a público durante uma entrevista, voltou a fazer denúncias, porém, dessa vez, citou nomes, como o do deputado Dilmo dos Santos (PV). Além disso, Terezinha Barbosa, testemunha citada pelo deputado Olímpio Gomes, disse que desejava comparecer ao parlamento para dizer o que sabe sobre três deputados, no entanto, tinha medo devido a ameaças que sofreu.  A líder comunitária e presidente do Centro Cultural Educacional Santa Terezinha confirmou ter protagonizado esquema semelhante com o deputado Rogério Nogueira (PDT), que nega a prática. Ela diz que tem mais para falar, no entanto, mesmo assim, o conselho encerrou os trabalhos sem ouvi-la.

“O fim dos trabalhos deste conselho, além de impedir a possibilidade de defesa do deputado Dilmo dos Santos e não escutar dona Terezinha, não conseguirá entregar nada de relevante ao Ministério Público, uma vez que a apuração não acabou e que não tivemos a presença daqueles que foram convidados a comparecer ao conselho para colaborar com o processo de investigação”, declarou Luiz Claudio Marcolino, deputado do PT e membro do conselho de ética.

Os deputados Bruno Covas (PSDB) e Roque Barbieri (PTB) não compareceram aos convites aprovados pelos membros do Conselho, uma vez que não são obrigados. O atual secretário de Meio Ambiente, deputado licenciado Bruno Covas, sugeriu ter ouvido comentários a respeito da venda de emendas, citando até um exemplo no qual um prefeito teria lhe oferecido 10% do valor de uma emenda de R$ 50 mil, que seria indicada pelo parlamentar.

“Tudo, menos o ridículo”
Essa frase foi a síntese proferida pelo deputado João Paulo Rillo (PT) para resumir o desfecho do conselho. Ele acusou a base de Alckmin de transformar todas as acusações em “pizza”. “Para mim e para a população, o resumo do Conselho de Ética seria a seguinte frase, que vou proferir em italiano: Siamo tutti buona genti, siamo tutti ladrone”. E completou: “Essa é a dor que cada um sabe que tem que ter, pois é como se comporta nessa casa. Vocês venceram aqui, mas nos encontraremos nas ruas”.

Nas ruas pela instalação da CPI
Enquanto os deputados governistas enterravam as investigações, movimentos sociais reunidos em frente a Assembleia Legislativa pediam pela instalação imediata da CPI e mais transparência no governo de São Paulo. Cerca de 700 pessoas estiveram presentes no ato, que ocupou o Plenário da Assembleia e as ruas ao redor para mostrar que a população quer respostas e irá pressionar por mudanças.

“O governo é o grande culpado por toda essa situação, pois é ele quem libera as emendas e que deve fiscalizar o dinheiro público. Quando fazemos pressão pedindo mais investimento na saúde, na educação e em vários outros setores, recebemos a resposta de que não há dinheiro. Agora sabemos para onde vai o dinheiro. Está sendo direcionado e desviado nas emendas. Queremos uma CPI já!”, declarou Adi dos Santos Lima, presidente da CUT-SP e um dos organizadores da manifestação.

Vagner Freitas, Secretário de Finanças da CUT, repudiou o desfecho que teve o conselho de ética e pediu por uma reforma política que tenha como ponto principal a participação direta do povo nos processos de decisão. “Eles precisam representar o que nós queremos e não o que eles querem. Debates tão importantes como esses devem ser levados a referendo popular, pois a população tem o direito de decidir e opinar. Essa é a democracia de fato que queremos, é a democracia participativa, em que o cidadão tem a possibilidade de opinar. A população precisa ter a sua opinião respeitada por aqueles que a representa. É essa a reforma política que defendemos”.

Diversas lideranças partidárias, sindicais e de movimentos sociais discursaram, denunciando os desmandos do governo de São Paulo e pedindo por mudanças. Ao total, são necessárias 32 assinaturas para a abertura da CPI e já foram coletadas 30, inclusive, do deputado Roque Barbiere que, segundo Ennio Tatto, quando viu que o conselho iria ser boicotado, procurou a bancada para apoiar a abertura de uma CPI.

Já assinaram o pedido: todos os deputados do PT, que são 24 no total; Leci Brandão (PC do B); Pedro Bigardi (PC do B); Carlos Gianazzi (Psol); Major Olímpio (PDT); Afonso Lobato (PV); e Roque Barbiere (PTB).

“Se não for hoje, será amanhã ou daqui um mês, mas nós iremos abrir uma CPI. E a pressão dessa mobilização que começa hoje e irá rodar todo o estado é muito importante para que consigamos virar uma página nessa assembleia”, finalizou o deputado Ennio Tatto.

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