Vale a pena ler o livro recém editado “Eduardo Leite Bacuri”, um trabalho de peso, da jornalista Vanessa Golçalves. Ela narra a trajetória de Eduardo Leite, um brasileiro que teve a coragem de enfrentar a repressão e lutar pela liberdade e pela democracia. Bacuri foi preso em 1970 e permaneceu sob tortura durante 109 dias. Deste relato, recheado de cenas fortes, transparece a bravura e a integridade de Bacuri, assim como a pior face da ditadura. Sua companheira, Denise Crispim, foi uma das principais colaboradoras de Vanessa na elaboração deste livro. Confira abaixo a entrevista da autora Vanessa Gonçalves e, também, na próxima nota, de Denise Crispim sobre a resistência de Bacuri.
Quem foi Bacuri?
[ Vanessa Gonçalves ] Um menino que veio de Campo Belo, interior de Minas Gerais para São Paulo. Como se apresentou tardiamente para o serviço militar, ficou preso no Exército e lá conheceu um jovem da militância estudandil, Wilson Fava, que o levou ao POLOP (Organização Revolucionária Marxista Política Operária) que, no período, estava se dividindo em outra organização. Bacuri foi um dos fundadores da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária ) e começou a militar na linha de frente. Funda a REDE, uma organização menor que atua junto à VPR e a ALN (Ação Libertadora Nacional). Ele foi convidado à participar das ações do sequestro do consul japonês Nobuo Okushi, depois comandou o sequestro do embaixador alemão Ehrenfried Von Holleben. Mas, ao retornar desta ação, o aparelho em que morava com a companheira Denise Crispim cai. Ela estava grávida e é presa pela ditadura. Desesperado, ameaça o comandante do segundo Exército e fica marcado para sempre.
Eduardo pede para ser transferido para o Rio. Já na ALN, entra em uma ação para tentar tirar Denise da cadeia, mas policiais infiltrados o entregam. Ele é algemado pelo delegado Fleury em uma rua do bairro da Gávea. Aí, começa o seu calvário e a passagem por vários centros de tortura. Estava em condições lastimáveis e a ditadura, frente à pressão dos órgãos internacionais, prefere assassiná-lo, ao invés de entregá-lo no estado em que se encontrava. No sábado 26 de outubro os jornais publicaram que Bacuri havia fugido da prisão. Na verdade, ele foi executado em 8 de dezembro de 1970, aos 25 anos de idade, após ter permanecido 109 dias sob tortura.
Vanessa, como surgiu a ideia do livro?
[ Gonçalves ] Surgiu ainda no período da faculdade, quando tive conhecimento da história de Eduardo Leite, um militante linha de frente e muito importante na luta contra a ditadura no país. Além, claro, da revolta que senti ao descobrir diante do fato de Bacuri ter passado 109 dias sob tortura, o modo como foi massacrado pela repressão militar. Chamou-me a atenção, ainda, a ausência de um trabalho que contasse essa história.
Terminei a faculdade e recolhi o material, ciente de que um dia escreveria essa história. Durante o meu mestrado na faculdade de História, porém, conheci Denise Crispim, companheira do Bacuri. Conversamos e começamos este trabalho, gravamos 8 horas de entrevistas. Conversei, também, por indicação dela, com cerca de 40 militantes e familiares de Bacuri, e desenvolvi uma pesquisa em acervos históricos e documentos pessoais dos militantes do período.
Na sua avaliação, qual a importância deste livro?
[ Gonçalves ] O principal papel desse trabalho é contar a história do Bacuri, um brasileiro que teve coragem de lutar contra a repressão militar. Ele traz à tona uma história que pode ser muito importante para a instituição da Comissão da Verdade e Justiça. É um testemunho da perseguição política no nosso país. Mostra o quanto a ditadura foi cruel e o quanto temos que saber sobre essa história. Como jovens, precisamos ter acesso à verdade, ou não seremos um país verdadeiramente democrático e livre.
Onde podemos encontrar o livro?
[ Gonçalves ] Ele foi lançado em 18 de junho, em São Paulo, no memorial da Resistência à Ditadura, durante o ato em homenagem ao Bacuri. Pode ser encontrado no site da editora Plena Editorial. Agora, vamos lançá-lo em várias capitais do país.