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Manifestação inclui crise da água em São Paulo entre ameaça a direitos da maioria

São Paulo – A crise no abastecimento de água em São Paulo é o novo reforço da lista de direitos negados à população que foi às ruas de São Paulo na manhã de hoje (7) para clamar por mais saúde, educação, moradia, transporte, trabalho decente e igualdade de oportunidades, durante a 20ª edição do Grito dos Excluídos, ato político que ocorre anualmente no Dia da Independência. O lema deste ano foi Ocupar ruas e praças por liberdade e direitos, em menção às manifestações populares e de movimentos sociais que ocorrem no país desde junho de 2013. O Grito coincidiu ainda com o encerramento da campanha de uma semana do Plebiscito Popular pela Assembleia Constituinte com o objetivo de realizar a reforma política.

Entre as causas propositivas, no entanto, a crise de falta de água foi apresentada pela organização do ato como um novo problema grave que atinge a população mais carente no estado de São Paulo. As entidades que compõem o Grito destacaram como principais equívocos do governo de Geraldo Alckmin (PSDB) a falta de investimentos na manutenção do Sistema Cantareira, que opera no máximo de seu limite, e na busca de novos mananciais. Estudos e alertas de especialistas informaram o governo, pelo menos desde 1985, de que o investimento em alternativas era necessário. No mesmo período, no entanto, uma das prioridades da gestão da Sabesp tem sido garantir a rentabilidade da empresa, que, entre 2005 e 2013, somou R$ 13,7 bilhões em lucros e alcançou patrimônio líquido de R$ 12,9 bilhões. Esse capital, apontam os movimentos, poderia ter sido revertido em garantia de oferta de água.

O encontro é organizado por Fórum das Pastorais Sociais da Arquidiocese de São Paulo, Intersindical, Central Sindical e Popular Conlutas, Associação Nacional dos Sindicatos Independentes Unidos pra Lutar, Sindicato dos Metroviários de São Paulo, Sindicato dos Trabalhadores em Saúde e Previdência no Estado de São Paulo, Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), organização Terra Livre, movimento Luta Popular, Uneafro, Conselho de Leigos da Arquidiocese de São Paulo (CLASP), Conselho Indigenista Missionário (CIMI-SP) e Espaço Cultural Latino Americano (ECLA). A concentração para o ato de hoje começou às 9h, com uma missa na Catedral da Praça da Sé, na região central de São Paulo.

Como primeira demonstração do dia, indígenas, imigrantes, moradores de rua, trabalhadores e jovens se reuniram na Catedral da Sé para rezar por mais justiça e a efetivação de direitos. “Chega de violência e extermínio de jovens pobres, que além de matar aumenta a população de presos, como acontece nos últimos 20 anos. Aqui se quer a privatização presídios, cujo negócio é prender, e se constroi mais presídios do que escolas”, disse dom Milton Kenan Júnior, bispo auxiliar da Brasilândia, durante a missa.

Em oração, o religioso pediu perdão pelas casas, comunidades e organizações que não praticam a democracia e reproduzem a lógica do poder de cima para baixo, e clamou pela consolidação da justiça. O teólogo concluiu sua mensagem reafirmando a importância de comparecer às urnas e votar nas eleições de 2014. “É preciso eleger aqueles que nos escutam e nos deixam participar das decisões, nos dando voz nos estados, nas casas legislativas, nos palácios.”

Nas ruas

Ainda que a inspiração do tema central do ato tenha sido as manifestações que tomaram as ruas a partir da metade do ano passado, as reivindicações do Grito revolvem a vida daqueles que sempre estiveram nelas.

“Nosso grito não é por abrigo apenas, mas por políticas de inclusão, oportunidade de trabalho, educação”, disse Renivaldo da Silva Santos, militante do Movimento de População de Rua. “Como sempre discutimos em nossos congressos, precisamos ter condições de capacitar essa população para lutar por seus direitos, para não ser enganada por muitos assistentes sociais que ainda pensam que todo mundo em situação de rua é burro, drogado, e não pessoas que passam por desequilíbrios momentâneos que acabam empurrando pras ruas”.

Renner, como é conhecido, sabe bem sobre o que está falando. Aos 7 anos foi morar nas ruas pela primeira vez, por causa de problemas na família. Alternou períodos de estabilidade, inclusive profissional, tendo trabalhado como operador de máquinas em uma das maiores construtoras brasileiras, com bom salário, em épocas em que não conseguiu reunir condições para se manter longe das drogas e das ruas.

“Limpo” do vício de cocaína há dois anos, passou a dedicar-se à militância no movimento, no qual foi acumulando aprendizado e experiências. Hoje trabalha para mostrar aos moradores de rua que é possível lutar pela auto estima, por direitos e por uma vida melhor. Aos 26 anos, se diz realizado no movimento como nunca se sentiu antes e segue engajado. “Precisamos nos organizar, lutar para mudar as leis feitas por pessoas que não olham para os mais pobres. Tenho esperança de que vamos conseguir mudar as estruturas, as leis, o Judiciário”.

Janaína Gomes, 21 anos, estudante de Lazer e Turismo na USP Leste, também se juntou a outro que, como ela, enxergam na mobilização o caminho para a efetivação dos direitos. Militante da Pastoral da Juventude desde os 15 anos e professora voluntária no Cursinho Comunitário Pimentas, do bairro de mesmo nome em Guarulhos, onde se preparou para o vestibular, ela discorda da propalada alienação da juventude nos dias de hoje.

“Os jovens estão empenhados, mobilizados, por mais que digam que não. Prova disso são as manifestações que eles começaram no ano passado. E o plebiscito nada mais é do que fruto daquelas manifestações”, disse.

Para ela, é preciso reformar a política para melhorar o país. “A maior parte da população não ocupa lugar nas casas legislativas, ocupadas em sua maioria por fazendeiros, gente da elite. A maioria da população, e os jovens, não estão representados”, disse Janaína, para quem o Grito dos Excluídos é uma oportunidade de voz a essas populações e também oportunidade de encontro com outros movimentos. “É quando vemos que não estamos sozinhos na luta”.

Este domingo teve ainda as últimas atividades de rua do Plebiscito Popular por uma Constituinte Exclusiva para a reforma política, campanha organizada por 400 entidades e que espera reunir 10 milhões de votos em todo o país. A cédula, que pode ser preenchida e enviada pela internet, pergunta “sim” ou “não” pela realização de uma mudança no sistema político brasileiro que institua o financiamento público de campanha e medidas de melhoria da representatividade do Poder Legislativo.

Ameaça à terra indígena

Após a missa, indígenas de diversas etnias dançaram e cantaram para reafirmar sua posição contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que transfere a competência da União para o Congresso sobre a demarcação das terras indígenas. “A garantia ao direito às terras da gente é a questão mais urgente para as diversas etnias aqui representadas”, disse Avani Fulni-Ô, da etnia Fulni-Ô, de Águas Belas, interior de Pernambuco. Ava, como é conhecida, está em São Paulo há 26 anos e integra o movimento indígena na cidade e no estado.

“Ocupar as ruas é nosso direito. Vamos ocupar por liberdade e nossos direitos. Nós, Kaembé, Fulni-Ô, Wassu Cocal, Pataxós, vamos lutar. Nossa luta continua sendo o sonho pela demarcação de nossa terra. Sem a terra, nossa mãe, não há vida, projeto comunitário nem esperança. Essa PEC vai paralisar nossas lutas pelo direito à terra”, afirmou Indio Salvador Kaimbé, da etnia Kaimbé, do sertão da Bahia, região onde entre 1896 e 1897 ocorreu a Guerra de Canudos.

Da etnia Pankararus, Jarbas e Luis acabaram expulsos de sua aldeia em Brejo dos Padres, a 240 quilômetros de Recife, pelas obras para construção de uma usina das Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF). “Invadiram nossas terras e nos expulsaram retirando de nós as condições para continuarmos vivendo. Tem uma reserva lá, mas faltam condições de saúde, educação e oportunidades”, disse Luis, que mora atualmente no Embu das Artes, na Grande São Paulo.

Jarbas, morador do centro da capital paulista, reclama do preconceito que enfrenta e da falta de oportunidades. “A luta é também por trabalho, por apoio aqui na cidade”, disse.

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