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Movimentos protestam contra nomeação de novo coordenador de saúde mental

Entidades que fazem parte da luta antimanicomial e usuários de serviços sociais e de saúde realizaram uma manifestação, nesta segunda-feira (18), contra o novo coordenador de saúde mental do Ministério da Saúde, Valencius Wurch Duarte Filho. Ele foi diretor de um dos maiores manicômios da América Latina e alvo de denúncias de violações de direitos humanos.

A data do protesto realizado no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp), localizado na Avenida Paulista, em São Paulo (SP), faz referência ao Dia Nacional de Luta Antimanicomial, que ocorre todos os anos em 18 de maio. Organizações como a Frente Estadual Antimanicomial, o Fórum de Saúde Mental do ABC e trabalhadores de Centros e Atenção Psicossocial (Caps) de diversas cidades estiveram presentes.

Para Wagner Batista, psicólogo do Caps de Itaquera, a nomeação de Duarte Filho é um retrocesso. “Ele já foi diretor do maior manicômio da América Latina, que foi denunciado por maus tratos aos pacientes. Colocar alguém assim é um sinal de que métodos de tratamento alternativos e mais humanos possam sofrer corte de verbas”, disse.

Batista enfatizou que internar pessoas com distúrbios não resolve o problema. “O objetivo do manicômio não é tratar as pessoas, e sim fazer com que elas não incomodem a sociedade. Quem tem transtorno mental só é medicado, nunca tratado”, disse.

Alexander Navarro, do Caps de São Mateus, segue nessa linha defendendo tratamentos humanizados. “Precisamos inserir a família no tratamento e realizar atividades que dêem autonomia às pessoas, além de ter uma rede de atenção psicossocial”. pontuou.

O protesto foi até a rua Bela Cintra, onde os manifestantes se moveram para a outra faixa da Paulista, até chegar no escritório da Presidência da República em São Paulo. Lá, uma comissão de trabalhadores e usuários da saúde (pessoas que usam o sistema de saúde pública) negociaram sobre as demandas do movimento.

Recuperação humana

Diversos usuários e usuárias do Caps estavam presentes no ato. Suas histórias revelaram a diferença entre o tratamento manicomial e o social. Maria Aparecida Paniara, de 55 anos, é um desses exemplos. Aos 29 anos ela se separou do marido, que levou os dois filhos do casal embora. Com a dor da perda, álcool e drogas foram sua válvula de escape.

Há quatro anos ela procurou ajuda no Caps e sente que, depois de 28 anos, finalmente está melhor. “Eu era um farrapo humano quando cheguei aqui. Hoje terminei os meus estudos e moro com minha irmã e meus sobrinhos”, disse.

Maria relata que já foi internada em manicômios muitas vezes e que a internação nunca era efetiva. “Era internação direta, de três ou seis meses. Mas elas não levavam a nada porque quando eu entrava em crise eles me amarravam, davam injeção e eu dormia durante dois, três dias. Passava uma semana ou mais e eu já voltava a usar álcool e drogas”, relembrou.

No Caps, Maria realiza muitas atividades durante o dia, conta com terapeutas que auxiliam a sua recuperação, além de elogiar o diálogo que existe. “O Caps reconhece que dependência é doença, o manicômio não. Toda pessoa que é dependente não nasceu assim. Não me deram cachaça quando eu era bebê, deram leite”.

A nomeação do novo coordenador tem gerado críticas de organizações e entidades que debatem a saúde mental no Brasil justamente pelo receio de que oconteçam mudanças neste tipo atendimento.

Segundo o psicólogo e diretor do Sindicato dos Psicólogos (Sinpsi), Vinicius Saldanha, Valencius tem uma visão de lidar com a loucura usando meios que violam direitos humanos, como a segregação do convívio social.

“Sua nomeação é um retrocesso. Ele representa o pensamento manicomial, que desconsidera as implicações sociais e a necessidade de atendimento humanizado. Desconsidera a importância da participação ativa dos usuários no processo terapêutico. É uma postura que não dialoga com os movimentos sociais”, disse.

O diretor cita que as denúncias sobre maus tratos nos manicômios levaram a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial de Saúde (OMS) a criar normativas que considerem um tratamento humanizado. No Brasil, isso se traduziu na Lei de Reforma Psiquiátrica, que pretende criar uma rede social que substitua os manicômios.

Internar pessoas por tempo indeterminado, longe da família, sem nenhum tipo de projeto terapêutico ou social não traz resultados. “Nós defendemos o contrário: Como a loucura é produzida socialmente ela deve ser tratada com ações sociais”, completa Vinicius.

A reportagem tentou entrar em contato com o Ministério da Saúde para se posicionar em relação às críticas direcionadas ao novo coordenador, mas não obteve resposta até o fechamento.

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