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Núcleo para monitorar recomendações da Comissão da Verdade será pedra no sapato do Estado

Lançado pelo Instituto Vladimir Herzog, o Monitora CNV pretende fazer pressão para que recomendações feitas em 2014 sejam efetivamente implementadas

Entregue em 10 de dezembro (Dia Universal dos Direitos Humanos) de 2014, o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV) incluiu 29 recomendações para serem implementados pelo governo, como políticas de Estado (confira ao final do texto). O documento confirmou 434 mortes e desaparecimento de vítimas da ditadura – 191 mortos, 210 desaparecidos e 33 também desaparecidos, mas cujos corpos foram posteriormente localizados, números que o próprio colegiado considera subestimado, mas que foi possível confirmar. As recomendações não foram implementadas, o que se torna ainda mais improvável com o atual governo e seu presidente, que louva os “feitos” da ditadura. Por isso, ontem (25) o Instituto Vladimir Herzog lançou um núcleo, batizado Monitora CNV, para cobrar a aplicação das recomendações. “Queremos ser uma pedra no sapato do Estado brasileiro”, afirmou o diretor do IVH Rogério Sottili, ex-secretário nacional e municipal de Direitos Humanos.

Ele lembra que, no encerramento dos trabalhos da CNV, seus integrantes pediram a criação de um órgão que desse seguimento às recomendações, algumas das quais necessitam de mudanças legais. Esse organismo chegou a ser criado, mas praticamente não funcionou, devido ao impeachment de Dilma Rousseff, em 2016.

O lançamento do Monitora CNV foi oficializado ontem, durante seminário realizado pelo IVH na sede da seção paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Participaram do evento o juiz espanhol Baltasar Garzón, o advogado argentino Luciano Hazan, do Grupo de Trabalho sobre Desaparecimentos Forçados das Nações Unidas, a cientista política Glenda Mezarobba, o professor Paulo Saldiva, da Universidade de São Paulo, a antropóloga Flávia Medeiros, do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT), e do perito criminal federal Eduardo Cardoso.

Um relatório deverá ser concluído até dezembro, quando o núcleo organizará suas ações. A ideia é dar prioridade a seis a oito das 29 recomendações, pressionando o Estado no sentido de sua efetiva implementação. Um tema ao qual será dada ênfase refere à Lei de Anistia, de 1979. “É necessário que o Supremo Tribunal Federal faça uma nova reinterpretação para que os criminosos da ditadura sejam responsabilizados criminalmente.”

As resoluções da Comissão da Verdade
[1] Reconhecimento, pelas Forças Armadas, de sua responsabilidade institucional pela ocorrência de graves violações de direitos humanos durante a ditadura militar (1964 a 1985)

[2] Determinação, pelos órgãos competentes, da responsabilidade jurídica – criminal, civil e administrativa – dos agentes públicos que deram causa às graves violações de direitos humanos ocorridas no período investigado pela CNV, afastando-se, em relação a esses agentes, a aplicação dos dispositivos concessivos de anistia inscritos nos artigos da Lei no. 6.683, de 28 de agosto de 1979, e em outras disposições constitucionais e legais

[3] Proposição, pela administração pública, de medidas administrativas e judiciais de regresso contra agentes públicos autores de atos que geraram a condenação do Estado em decorrência da prática de graves violações de direitos humanos

[4] Proibição da realização de eventos oficiais em comemoração ao golpe militar de 1964

[5] Reformulação dos concursos de ingresso e dos processos de avaliação contínua nas Forças Armadas e na área de segurança pública, de modo a valorizar o conhecimento sobre os preceitos inerentes à democracia e aos direitos humanos

[6] Modificação do conteúdo curricular das academias militares e policiais, para promoção da democracia e dos direitos humanos

[7] Retificação da anotação da causa de morte no assento de óbito de pessoas mortas em decorrência de graves violações de direitos humanos

[8] Retificação de informações na Rede de Integração Nacional de Informações de Segurança Pública, Justiça e Fiscalização (Rede Infoseg) e, de forma geral, nos registros públicos

[9] Criação de mecanismos de prevenção e combate à tortura

[10] Desvinculação dos institutos médicos legais, bem como dos órgãos de perícia criminal, das secretarias de segurança pública e das polícias civis

[11] Fortalecimento das Defensorias Públicas

[12] Dignificação do sistema prisional e do tratamento dado ao preso

[13] Instituição legal de ouvidorias externas no sistema penitenciário e nos órgãos a ele relacionados

[14] Fortalecimento de Conselhos da Comunidade para acompanhamento dos estabelecimentos penais

[15] Garantia de atendimento médico e psicossocial permanente às vítimas de graves violações de direitos humanos

[16] Promoção dos valores democráticos e dos direitos humanos na educação

[17] Apoio à instituição e ao funcionamento de órgão de proteção e promoção dos direitos humanos

[18] Revogação da Lei de Segurança Nacional

[19] Aperfeiçoamento da legislação brasileira para tipificação das figuras penais correspondentes aos crimes contra a humanidade e ao crime de desaparecimento forçado

[20] Desmilitarização das polícias militares estaduais

[21] Extinção da Justiça Militar estadual

[22] Exclusão de civis da jurisdição da Justiça Militar federal

[23] Supressão, na legislação, de referências discriminatórias das homossexualidades

[24] Alteração da legislação processual penal para eliminação da figura do auto de resistência à prisão

[25] Introdução da audiência de custódia, para prevenção da prática da tortura e de prisão ilegal

[26] Estabelecimento de órgão permanente com atribuição de dar seguimento às ações e recomendações da CNV

[27] Prosseguimento das atividades voltadas à localização, identificação e entrega aos familiares ou pessoas legitimadas, para sepultamento digno, dos restos mortais dos desaparecidos políticos

[28] Preservação da memória das graves violações de direitos humanos

[29] Prosseguimento e fortalecimento da política de localização e abertura dos arquivos da ditadura militar

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