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O SUS precisará de todos nós

É tempo de debater com a classe média; de trazer à luz o que realmente quer o ‘mercado’ na saúde

Este fatídico 29 de outubro marca um dia muito triste para a trajetória da democracia brasileira, e, como não poderia deixar de ser, para a trajetória do direito à Saúde. Foi no contexto de reabertura democrática que a pauta do direito à saúde se impôs no debate político nacional, no contexto de um país que demarcava o projeto de nação soberana, que se pretendia ser após 21 anos de regime militar. O produto deste projeto de país (cotejado com a correlação de forças da época) plasmou a Carta Constitucional de 1988, que, juntamente com o respeito aos marcos democráticos, fez o SUS avançar mesmo em tempos difíceis como os anos 1990 sob hegemonia neoliberal. Hoje podemos olhar em perspectiva e alcançar a dimensão hercúlea que foi cravar o direito à saúde como direito constitucional.

Projeto liberal
Foi sempre a fórmula Democracia + Constituição que garantiu o avanço do SUS no País. Se todas as forças políticas que emergiram na redemocratização orbitavam em torno dos pactos constitucionais de 1988, em 2018 o cenário é completamente diferente. O resultado do segundo turno eleitoral, em 28 de outubro, referendou nas urnas um projeto liberal clássico para o Brasil, mesmo que a maioria dos seus eleitores não faça muita ideia do que seja isso. Afinal, noves fora a chuva de mentiras por redes sociais, o programa vencedor ficou notavelmente conhecido pelo que deixou de falar, e não pelo que falou. Em termos da saúde, o pouco que falou ou eram obviedades ou retrocessos em pelo menos 30 anos, como o cadastramento universal de médicos.

Fissuras
O economista-chefe desta nova força política declarou em entrevistas que vai pôr fim ao “modelo socialdemocrata” brasileiro. Atribuiu cinicamente a este modelo, que vincula a economia ao mínimo de proteção social, os juros altos, baixo crescimento e o subdesenvolvimento econômico. Ele ignora que muito mais que a Saúde ou a Educação, o que mais cresceu em todos estes anos foi o lucro de uma plutocracia, mas, para Paulo Guedes isso é apenas um detalhe. É aqui que mora o maior perigo, mas também a rachadura em sua fortaleza.

A maioria absoluta dos eleitores brasileiros afirmou em pesquisas recentes que a preocupação com a Saúde é uma de suas prioridades na cena política, e a força dirigente do bolsonarismo soube usar deste sentimento para capitalizar sua agenda “anticorrupção”. Se por um lado a vitória de um pretenso movimento “anticorrupção” chega com força para tentar colocar abaixo o pouco de proteção social que temos no Brasil hoje, sua sanha o colocará invariavelmente em contradição com o que pensa o brasileiro sobre o direito à Saúde.

Tempo de resistir
O SUS precisará de todas e todos nós que o defendemos no próximo período. Quem trabalha no SUS tem o dever de vestir a sua camisa de corpo e alma, temos que continuar mostrando que o SUS pode e deve dar certo. Mais: só o SUS tem capacidade de responder aos anseios de nosso povo por saúde num país gigantesco como o Brasil.

O mercado não dará respostas para a saúde dos brasileiros e brasileiras, como não tem dado com os planos e operadoras de saúde. É tempo de trazer à luz o que realmente quer o mercado na saúde. É tempo de debater com a classe média “o mecanismo” por trás dos seus planos de saúde e ”clínicas populares”. É tempo de resistir junto a usuários e trabalhadores do SUS. Nosso trabalho é a última salvaguarda antes da barbárie. O SUS precisará de todas e todos nós!

* Thiago Henrique é mestre em Saúde Pública pela USP, médico de Família e Comunidade, preceptor da Residência Médica em MFC de São Bernardo do Campo (SP) e integrantes da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares

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