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Perfil político dos estados e partidarismo da mídia fortalecem violência policial

Especialistas em direitos humanos defenderam que mentalidade repressora da ditadura civil-militar, persistente até hoje nas corporações, e a violência estrutural da sociedade brasileira pioram cenário

São Paulo – O perfil político dos governadores dos estados brasileiros e o partidarismo da grande mídia são dois fatores que acabam por fortalecer a violência praticada pelas polícia, que vitima sobretudo os jovens negros e pobres das periferias das grandes cidades. Essa é a avaliação de especialistas em segurança e direitos humanos, que estiveram reunidos ontem (29) no debate “Violência policial: causas, efeitos e soluções”, promovido pela editora Boitempo, em São Paulo.

Soma-se ao quadro a mentalidade repressora da ditadura civil-militar, que persiste até hoje nas corporações, e a violência estrutural que caracteriza a sociedade brasileira. Só em 2014, 2.526 pessoas morreram em ações das policiais militares nos 22 estados do país, o que significa sete mortos por dia, segundo um levantamento feito pelo portal G1, com dados da Secretaria de Segurança Pública do estado. Os maiores números estão em São Paulo (695 mortes), Rio de Janeiro (582), Bahia (256), Paraná (178) e Pará (159).

“O posicionamento político dos gestores incentiva os abusos cometidos pela polícia, sobretudo se pregam uma estratégia de combate duro. Se quem está no poder sinaliza que esse comportamento é inaceitável, a polícia tende a frear, como ocorreu em São Paulo após o Massacre do Carandiru”, disse a pesquisadora do Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP) Ariadne Natal. “A polícia sempre foi usada como uma forma de controle da elite sobre as classes mais pobres. Hoje, a violência policial atinge principalmente os jovens, do sexo masculino, negros das periferias.”

A maioria das vítimas é enquadrada na acusação de roubo, nos casos caracterizados por “resistência seguida de morte”. “A tese da legítima defesa é a mais recorrente, mas ela tem sido desmontada por estudos, porque se vê que a criminalidade cai, mas a violência policial não reduz na mesma proporção. Além disso, nos supostos confrontos, o número de mortos costuma ser maior que o de feridos, o que denota intenção de cometer os crimes”, afirmou Ariadne.

“A grande imprensa é cúmplice do genocídio cometido pelas polícias nas periferias das grandes cidades. Isso porque ela transforma a vítima e a dor dos familiares em estatística, não ouve o outro lado e porque estimula o massacre nos programas sensacionalistas vespertinos. Não existe violência que atue sozinha. Ela encontra camuflagem na grande imprensa”, defendeu a jornalista Laura Capriglione, que trabalha no coletivo Jornalistas Livres. “Uma das cenas mais terríveis é a solidão da mãe, que teve o filho assassinado e criminalizado, desesperada tentando mostrar que era um menino que estudava e trabalhava.”

Entre 2005 e 2009, o estado de São Paulo registrou 6,3% mais mortes cometidas por policiais militares do que todo os Estados Unidos, levando em conta todas as forças policiais daquele país. “Nossa forte concentração de riqueza produz uma cidadania restrita, que define alguns como mais ou menos cidadãos. A polícia invade as periferias, como se tivesse autorização para matar”, afirmou militante do Círculo Palmarino, Joselicio Junior, mais conhecido como Juninho.

“O que faz com que alguém mate outra pessoa que já está rendida? É um dispositivo social criado por consenso. A Polícia Militar, criada no dispositivo de torturar e matar da ditadura, não sofreu nenhuma alteração”, defendeu a psicanalista Maria Rita Kehl. “São mortes por motivos fúteis, escondidas por trás de um interesse em manter a ordem.”

A militante do movimento negro e feminista Djamila Ribeiro lembrou que apesar de os homens negros serem a maioria das vítimas da violência policial, ela também acaba atingindo as mulheres. “As negras periféricas são as mães que estão perdendo seus filhos e as jovens que estão perdendo seus irmãos. Isso tudo coloca sobre nós mais um fardo para carregarmos”, diz. “As negras também são as vítimas do genocídio do Estado: somos nós as que mais morremos nos serviços de saúde.”

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