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População negra e a garantia do direito à saúde nas suas especificidades

Representa 54% da população brasileira, adoece mais, tem menor acesso a serviços de saúde, menos consultas de pré-natal e é maior vítima de violência obstétrica

Negra: essa é a cor do Brasil. Essa é a cor de milhões de mulheres e homens que diariamente demandam atendimentos em saúde no País. Infelizmente é a parcela da população que mais enfrenta dificuldades de acesso aos serviços de saúde e a que mais adoece devido a fatores socioeconômicos, que a segrega e tira sua vida diariamente.

Segundo dados do IBGE, em 2016, 53,9% da população brasileira era composta por negros e negras. Dentre os 10% da população com menor renda do país, 75% são pretos ou pardos; e essa situação de pobreza tem diversos reflexos diretos nas situações de adoecimento. Para se ter uma ideia, a taxa de mortalidade materna entre mulheres negras é 65,1% maior que entre mulheres brancas. Uma criança preta ou parda tem 60% a mais de chances de morrer por uma doença infecciosa e parasitária do que uma criança branca. Essa mesma criança negra tem 90% de chances a mais de sofrer desnutrição que uma criança branca.

Esses dados se tornam ainda mais preocupantes quando falamos de morte causada por violência. O homicídio é a 2ª maior causa de mortes entre os homens negros. Entre os homens brancos, essa é a 5ª causa. Um homem negro tem chances 70% maiores que um homem branco de ser assassinado. Mães de jovens negros sofrem diariamente vendo seus filhos saírem de casa, sem saber se irão voltar vivos. Isso gera ainda adoecimentos emocionais como ansiedade, depressão, ideação suicida.

Os dados relativos à violência e adoecimento mental tem piorado nos últimos meses, diante do atual cenário político. Temos visto crescer diante de nossos olhos as situações de intolerância, racismo, violência contra jovens negros. Tudo sendo alimentado e corroborado por um candidato a Presidência da República, que afirma que, se eleito, não haverá mais a necessidade de investigar as execuções realizadas pela polícia. Um candidato que reforça a ideia de que homens e mulheres negras devem ser tratadas como animais e que não pensa quaisquer políticas de saúde para o país, muito menos voltadas à população preta.

Segregação no atendimento
Enquanto isso, nos diversos serviços de assistência, os profissionais de saúde ainda não compreenderam sua importância no combate ao racismo, reproduzindo práticas que contribuem, direta ou indiretamente, com a falta de cuidados para com a população negra.

Dados demonstram que a população negra tem mais dificuldades em acessar os serviços de saúde, que suas consultas são mais curtas que as das pessoas brancas, que as mulheres negras realizam menos consultas de pré-natal, bem como são as maiores vítimas de violência obstétrica nas maternidades.

Nos cursos de saúde, estudantes negros ainda são minoria, mesmo com o surgimento das cotas raciais. A discussão sobre saúde da população negra é extremamente escassa, sendo nula na maioria dos cursos. É importante frisar que somos, enquanto cuidadores, responsáveis por trazer à tona essas discrepâncias e contradições. Não podemos permitir que o racismo, a intolerância e o discurso de ódio continuem nos matando e matando aqueles que estão sob nossos cuidados. É preciso existir. É preciso resistir.

 

* Wandson Padilha é médico de Família e Comunidade, preceptor de Residência Médica pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), negro, gay, nordestino e lutador do SUS.

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