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Psicologia para um trânsito humanizado

Especialista em avaliação psicológica dos candidatos a obter habilitação mostra a importância do papel profissional, as conquistas e os desafios da função de perito examinador

A Psicologia passou a exercer papel importante para melhorar as condições do trânsito a partir do aprimoramento do processo que avalia os candidatos a obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), que resultou de uma ação conjunta do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) e do Conselho Federal de Psicologia (CFP). Há sete anos, o Contran determinou, por meio da Resolução nº 283/2008, que os testes aplicados aos candidatos sejam  realizados apenas por psicólogas/os com especialização em Psicologia do Trânsito. Como desdobramento disso, o CFP aprovou normas e procedimentos para a avaliação psicológica dos candidatos à CNH e condutores de veículos automotores (Resolução nº 007/2009). 

A atuação de psicólogas/os no processo acontece em três situações: obtenção da habilitação, adição de categoria – por exemplo, mudança da classificação B, de condutor amador, para C, de condutor profissional – e renovação para habilitação em casos de atividades remuneradas com o veículo. 

A avaliação psicológica segue o roteiro proposto pelo CFP e é aplicada da mesma forma para todos os públicos. Primeiro, o candidato passa por entrevista individual com uma/um psicóloga/o. A entrevista, extensa, visa obter o máximo de informações sobre os traços de personalidade e da rotina do candidato, como forma de avaliar que tipo de pessoa será autorizada a conduzir. 

Então, a/o psicóloga/o atua para que a pessoa se sinta mais à vontade antes de fazer os testes escritos, resolvendo eventuais dúvidas que ela manifeste. Essa etapa avalia a personalidade, os tipos de atenção do candidato, seu raciocínio e capacidade de estabelecer relações interpessoais. 

A terceira fase do processo compreende a elaboração do laudo psicológico sobre os resultados obtidos na entrevista e nos testes, de forma objetiva. Em seguida, obrigatoriamente, acontece a entrevista devolutiva. 

Segundo Daniela Bianchi, psicóloga clínica e docente do Ensino Superior em São José do Rio Preto e Catanduva, é na entrevista devolutiva que se atua para orientar a pessoa em relação aos resultados que apresentou, mostrando a importância da avaliação psicológica para o trânsito. Se no resultado se detectam indícios de depressão ou ansiedade, é necessário fazer o encaminhamento clínico do candidato. “A gente pede licença para entrar no psiquismo dessa pessoa. Nada mais justo do que devolver quais foram os resultados dela”, explica. 

Antes das resoluções do Contran e do Conselho Federal, a entrevista individual não existia e a devolutiva não era obrigatória. Além dessa exigência, a orientação do CFP também determina que o laudo da avaliação fique arquivado por cinco anos na clínica. 

Depois de passar sete anos atuando como perita examinadora no trânsito em Catanduva, Daniela ingressou no mestrado na área de Saúde e Educação na Universidade de Ribeirão Preto, focado na questão do trânsito. Sua pesquisa “Análise da Qualidade do Serviço de Avaliação Psicológica para o Trânsito sob a Ótica do Candidato à Obtenção de Habilitação” foi apresentada no início de 2015. A inspiração pelo tema veio de suas descobertas durante o período em que atuou como profissional na área. “Sentia nos candidatos que estavam insatisfeitos com as avaliações anteriores. Durante as entrevistas que aplicava, as pessoas queriam saber para o que serve a avaliação psicológica”, conta. A proposta da pesquisa era descobrir se a avaliação psicológica consegue promover a essa população um serviço de qualidade ou não.

Situações especiais

A avaliação é igual em casos em que os candidatos possuem algum tipo de limitação física ou sensorial. Daniela cita como exemplo o caso de duas pessoas com deficiência auditiva que avaliou e foram consideradas aptas a conduzir. Ela explica que em situações como essas, se necessário, pode-se incluir um intérprete de Língua Brasileira de Sinais (Libras), que fará a intermediação com a/o psicóloga/o. “De diferente no processo, apenas que essa avaliação requer um pouco mais de atenção e um tempo maior para a entrevista.” 

Apesar de as resoluções do Contran e do CFP terem a proposição de incentivar a responsabilidade das/dos psicólogas/os na atuação como peritos examinadores, a avaliação psicológica não acontece em todos os casos. Foi o que Daniela apurou em sua pesquisa acadêmica. Após entrevistar 245 candidatos à obtenção da habilitação em Catanduva, ela descobriu que em 62% dos casos as pessoas não receberam a devolutiva. Ela achou preocupante ainda o fato de que nem sempre são as/os psicólogas/os que passam as instruções sobre os testes aos candidatos – mesmo sendo obrigatório – e que em 30% dos casos não foi a/o psicóloga/o que fez a avaliação psicológica dos candidatos.

Desafios

Daniela lembra que quando começou a trabalhar como perita examinadora de trânsito não sabia das dificuldades que encontraria. A começar pelas pressões tanto por parte dos Centros de Formação de Condutores, que pedem rapidez no procedimento, quanto da própria população, que muitas vezes demonstra desinteresse pelo serviço. “A representação social da/do psicóloga/o do trânsito ainda é negativa”, diz Daniela. Segundo ela, não é possível fazer uma avaliação psicológica bem feita em menos de uma hora e meia. “O importante é não ceder às pressões e não perder o foco no candidato.” 

Para Daniela, ser um bom perito examinador depende de mostrar aos candidatos a importância da avaliação e de ser atencioso. Também é fundamental ser solícito para responder as dúvidas quantas vezes for necessário e, no momento da entrevista, ter um espaço privado para conversar com a pessoa de forma aberta e, assim, acolher as suas respostas. “O acolhimento é feito com olhar de acolhimento, no sentido de transmitir que estamos compreendendo o que a pessoa está dizendo, sem fazer julgamento precipitado sobre o candidato.” 

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