Evento marcou também lançamento do GT sobre o tema
Com o objetivo de pautar a questão do racismo e da discriminação racial na Psicologia e reunir contribuições para o documento Relações Raciais: referências técnicas para a pratica de psicólogas(os), o CRP SP realizou, por meio do CREPOP SP, em 15 de fevereiro no auditório da sede do CRP SP, uma atividade que debateu o tema. Tal discussão é essencial para a construção de um projeto político que faça avançar a democracia e a defesa dos direitos humanos.
“Historicamente, a Psicologia esteve a serviço da dominação de setores da sociedade, como negros, indígenas, população LGBT, pobres. Isso nos obriga a construir outra Psicologia e é isso que as gestões no Sistema Conselhos veem fazendo. A discussão das questões raciais é central neste projeto”, afirmou o Conselheiro do CRP SP, Luis Fernando de Oliveira Saraiva durante a abertura da atividade.
A psicóloga Elisabeth Figueroa, pesquisadora das relações étnico-raciais, sob o prisma da Psicologia, fez uma apresentação do conteúdo prévio do documento de referência, produzido por uma equipe técnica da qual ela mesma fez parte. Em sua fala, reafirmou a omissão da Psicologia no tratamento do assunto e destacou a necessidade de se problematizar e qualificar o debate com vistas de haver um posicionamento claro da Psicologia. O documento, dividido em cinco eixos, ainda está em elaboração e o evento foi fundamental para seu aperfeiçoamento. Elisabeth destacou a necessidade de se pensar a formação das(os) profissionais. “Há uma lacuna enorme nos cursos de Psicologia no que se refere a este assunto, principalmente nas faculdades mais tradicionais. É preciso transversalizar o tema nas disciplinas”, defendeu.
O evento também reuniu contribuições de pessoas de outras áreas de conhecimento, como Arnaldo Marcolino, radialista, coordenador da Plenária Estadual de Saúde e Ativista do Movimento Negro; e Ba Kimbuta, rapper, educador social e também ativista do Movimento Negro. Marcolino afirmou que a Psicologia, em sua história, reforça a baixa autoestima do negro, mas que se sente feliz ao ver tantos jovens na plateia interessadas(os) na luta por uma sociedade igualitária, pois em sua geração as dificuldades eram ainda maiores. Marcolino defende a importância de o documento ser de fácil acesso à todas as pessoas: “se não intelectualiza demais a discussão de tal forma que exclui”.
Já Ba Kimbuta contou como o hip hop foi um elemento fundamental na reafirmação da beleza da identidade afro-brasileira, já que a história do(a) negro(a) no Brasil é contada sempre pela perspectiva da escravidão, como se o(a) negro(a) fosse passivo(a) e acomodado(a) com as crueldades cometidas neste período. “Um povo sem uma história positiva é como um carro sem motor. Contar nossa história a partir da escravidão, da dor e da humilhação causa um impacto muito grande no psicológico e na autoestima. Na escola, não aprendi nada sobre Dandara, João Cândido, Revolta dos Malês”, disse o rapper, defendendo também que a questão do racismo não pode ser discutida sem que se aborde também a luta de classes no Brasil.
O sociólogo Luís Eduardo Batista, que por oito anos foi coordenador da área técnica da saúde da população negra da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, apresentou dados sobre mortalidade de mulheres e de crianças na saúde pública. “Lugares desiguais na sociedade implicam em experiências desiguais ao nascer, viver, adoecer e morrer. Esta desigualdade está diante dos profissionais da Psicologia o tempo todo”, afirmou. Luis Eduardo também fez críticas ao texto do documento de referência ao dizer que ele confunde racismo com racismo institucional. O primeiro é estruturante das relações no Brasil, afetando toda a sociedade; já o institucional é o impedimento deste debate e atuação nos espaços, como escolas e centros de saúde pública.
Na sequência, as pessoas que acompanhavam os debates puderam colocar suas opiniões a respeito do documento e da atividade. A necessidade de destacar no documento da Lei 10.639 (que prevê o ensino de história da África e afro-brasileira nas escolas), a formação continuada das profissionais da Psicologia; e como fazer com que o documento reverbere, de fato, na atuação de psicólogas(os), foram algumas das questões que surgiram.
A segunda parte da atividade contou com a participação de Clélia Prestes, psicóloga do Instituto AMMA Psiquê e integrante da Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) de Pesquisadoras(es) – ANPSINEP. Em sua fala, Clélia apresentou a entidade e também falou do II Encontro Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es) das Relações Raciais e Subjetividade, evento que acontece em maio, em Recife (acesse mais informações: http://anpsinep.cfp.org.br/). “A Psicologia precisa assumir esta temática como sendo dela também porque os danos desta realidade atinge a todos(os)”, reforçou.
A também psicóloga do AMMA Psiquê e especialista em questões de raça e gênero, Maria Lúcia da Silva, compartilhou sua expectativa de que, para além das(os) profissionais negras(os), houvesse também a presença de mais pessoas brancas na plateia, principalmente de profissionais que, não familiarizados com o tema, poderiam conhecer e discutir mais a questão. “Entretanto, estes espaços são importantes porque nos damos conta do quanto não temos lugares para nós mesmas(os) dialogarmos sobre nossa história. Isso já abre uma demanda de, para além da política, instalar o tema na categoria.” Ela também chamou atenção para o fato de que o racismo, eternamente negado pela sociedade, muitas vezes, coloca o sujeito no lugar da dúvida sobre a discriminação, o que revela uma face cruel, diante o sofrimento psíquico que esta situação causa.
“Nos meios de comunicação, na universidade, na TV, enfim, a presença do(a) negro(a) é mediada pela constante negação de sua figura. E isso é um desgaste. Se as(os) nossas(os) companheiras(os) psicólogas(os) não negras(os) não se darem conta da realidade sociohistórica do país, será difícil delas(es) acreditarem no racismo, porque a vida delas(es) está normal. Não existe mestiçagem nos espaços de poder”, declarou Maria Lúcia.
A psicóloga e diretora executiva do Centro de Estudos de Relações do Trabalho e Desigualdades (CEERT), Maria Aparecida Bento falou sobre o racismo institucional, lembrando que a instituição é feita para organizar procedimentos e normas dentro de uma visão de mundo, onde a repetição é a característica básica e, muitas vezes, estes lugares se tornam espaços potentes de racismo. “O racismo institucional tem muitas caras”. Neste sentido ela afirmou a necessidade de se tratar também a questão da identidade branca.
A atividade marcou também o lançamento do Grupo de Trabalho sobre Psicologia e Relações Raciais, cujo primeiro encontro irá acontecer em 11 de março, na sede do CRP SP, em São Paulo, a partir das 19h. O Conselheiro do CRP SP Jonathas Salathiel apresentou as ações do Conselho, previstas em planejamento, para a discussão da discriminação racial e a prática da Psicologia. Além da formação do GT, entre outras ações, constam oficinas para conselheiras(os), colaboradoras(es), funcionárias(os) e gestoras(es) sobre o racismo estrutural e institucional e sessões do Video Clube CRP SP sobre a temática.
Em breve será disponibilizado o vídeo com o conteúdo na íntegra dos debates.