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RJ: Médicos Populares repudiam internação de pessoas em situação de rua, proposta por governo Crivella

Para coletivo de médicos, intenção dos governos municipal e estadual é criminalizar a pobreza

A Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares – Núcleo Rio de Janeiro lançou nota repudiando as declarações do prefeito Marcello Crivella ao jornal O Globo, na última quarta-feira (31), de que irá firmar uma parceria com o governo do Estado para internar pessoas em situação de rua que façam uso abusivo de álcool e outras drogas.

Na nota, a Rede afirma que “o posicionamento da gestão municipal carece de aprofundamento técnico e está pautado em resposta superficial a eventos recentes”, referindo-se a um crime no domingo (28), envolvendo um morador de rua, que esfaqueou  João Napoli, de 35 anos, sua namorada, Caroline Moutinho, e o professor Marcelo Henrique Reis.

O documento também ressalta a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental, previstos na Lei 10.126, e critica o desmonte que vem ocorrendo em relação aos serviços públicos, de modo geral, e, em especial, aos substitutivos à internação.

Também denuncia o “aumento expressivo de abrigos clandestinos associados a entidades religiosas, “alvo de denúncias e investigações em diversas instâncias, inclusive na Organização Mundial de Saúde (OMS) e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH)”.

Os médicos populares do Rio de Janeiro também afirmam que “o Rio de Janeiro é incapaz de cuidar, sequer, da população asilar, abrigada, internada em condições precárias no sistema de saúde ou no sistema penitenciário”.

Um levantamento da Defensoria Pública do município carioca, publicado pela Globonews, estima que sejam pelo menos 15 mil pessoas nas ruas e 2,3 mil vagas disponíveis em 63 abrigos – menos de 15% do total.

De acordo com o Núcleo Rio de Janeiro da Rede, “quem é recolhido é coisa! Seres vivos, se doentes, devem ser tratados e ter direito à moradia digna: não ao encarceramento”.

Confira abaixo a íntegra do documento assinado pela Rede de Médicas e Médicos Populares – Núcleo Rio de Janeiro:

NOTA DE REPÚDIO

A Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares (RNMMP) – Núcleo Rio de Janeiro repudia a declaração do atual prefeito Marcello Crivella, feita [em 31 de julho de 2019] ao jornal O Globo. O prefeito manifesta interesse em somar forças ao governo do Estado no intuito de direcionar pessoas em situação de rua, em especial usuários de drogas, para abrigos em internações compulsórias. Reforça, em sua declaração, a importância do desarmamento dessas pessoas e que em dado momento serão avaliados por um médico para verificar se tem algum tipo de “paranoia”.

A RNMMP entende que esse posicionamento da gestão municipal carece de aprofundamento técnico e está pautado em resposta superficial a eventos recentes.

Tecnicamente, na Lei 10.126, de 6 de abril de 2001, que dispõe sobre os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, lei esta que orienta a prática dos serviços substitutivos, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), cuja atuação vem sendo cerceada pelo desmonte sistemático deste governo. Atrasos salariais, falta de insumos, falta de pessoal, contratos e convênios precários, problemas de infraestrutura são apenas alguns exemplos do que os CAPS vêm enfrentando.

Esse desmonte já se reflete no aumento expressivo de abrigos clandestinos associados a entidades religiosas, cuja única prática terapêutica é a controversa laborterapia e cuja atuação já é alvo de denúncias e investigações em diversas instâncias, inclusive na Organização Mundial de Saúde (OMS) e na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).

Além disso, há nas intenções do governo municipal e estadual clara criminalização da pobreza, onde condições de vulnerabilidade social são enfrentadas pelo poder público com mais retirada de direitos, ao invés do contrário.

Pessoas em situação de rua não são inimigos, são pessoas em sofrimento psíquico e social, ao que ninguém está livre de estar em algum momento da vida. O aumento do contingente se relaciona à pobreza, à concentração de renda e a políticas de exclusão social.

Hoje, o Rio de Janeiro é incapaz de cuidar, sequer, da população asilar, abrigada, internada em condições precárias no sistema de saúde ou no sistema penitenciário. Manter mais pessoas compulsoriamente em locais insalubres e sem cuidados adequados, distantes de suas famílias e da sociedade, é agravar o caos causado pela própria incapacidade do Estado de executar políticas públicas.

Acolher sempre. Quem é recolhido é coisa! Seres vivos, se doentes, devem ser tratados e ter direito à moradia digna: não ao encarceramento.

Rio de Janeiro, 31 de julho de 2019

Rede de Médicas e Médicos Populares – Núcleo RJ

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