Notícias

SP vai inserir a juventude nos projetos da cidade, diz secretário de Haddad

Em entrevista, Gabriel Medina fala sobre as prioridades de sua gestão na Coordenadoria Municipal de Juventude e afirma que governos devem deixar de ver a questão como ‘problema’

São Paulo – Com o intuito de equilibrar conflitos geracionais, conter a violência e oferecer espaço para dar vazão à criatividade e potencialidades, o petista Gabriel Medida assumiu recentemente a Coordenadoria de Juventude da prefeitura de São Paulo, aceitando convite de Fernando Haddad. 

Medina afirmou em entrevista exclusiva á RBA que pretende recuperar o papel de articulação da coordenadoria e pautar os interesses da juventude nos grandes projetos da cidade. Entre as suas prioridades, disse, está o mapeamento dos equipamentos voltados à faixa etária entre 15 e os 29 anos e a definição do perfil desses cidadãos – trabalho que deve tomar todo o primeiro ano de sua gestão, prevê.

Medina foi presidente do Conselho Nacional de Juventude entre os anos 2011-2012. Agora, aos 31 anos, à frente da Coordenadoria paulistana, tem a missão de colaborar na formulação de políticas públicas que atendam cerca de 3 milhões de habitantes da maior capital do país, grande parte deles protagonistas de alguns dos mais interessantes movimentos sociais surgidos recentemente na cidade, mas ao mesmo tempo alvos principais da violência homicida.

Leia a seguir trechos da entrevista.

Na última gestão municipal, a Coordenadoria de Juventude não teve um papel muito destacado. Já dá para fazer uma avaliação do que foi efetivamente feito e o que tem de ser feito daqui para frente?

A primeira coisa é reconhecer que houve um constante desmonte desse trabalho de juventude no governo. Teve algum avanço na época da Marta (Suplicy, prefeita entre 2001-2005), quando existia uma coordenadoria ligada à secretaria de governo. Era uma coordenadoria muito voltada à mobilização e alguns temas para dar visibilidade para o tema da juventude. O tema do skate, da cultura, por exemplo.

Fez o Agosto Negro, um grande evento que envolvia a turma do Hip Hop. Foi uma coordenadoria com muita visibilidade e, no conjunto do governo, existia uma série de políticas voltadas para o jovem. O Bolsa Trabalho também era uma referência bem importante, uma política de inclusão social em que a juventude tinha espaço.

Nos últimos anos, houve uma iniciativa interessante: a criação do CCJ (Centro Cultural da Juventude) – tem de se reconhecer isso como um legado desse período (gestão Serra/Kassab, entre 2005 e 2012) da coordenadoria. Mas depois, esse equipamento foi para a Cultura e a Coordenadoria de Juventude ficou meio sem papel. Na verdade, respondendo à linha dessa Secretaria de Participação e Parceria, que era uma secretaria que estabelecia diálogo com várias entidades, organizações, ONGs.

O problema é que ela não tinha diretriz para desenvolver políticas públicas, era uma secretaria para receber demandas da sociedade civil e acabava sendo mais uma secretaria de eventos, de apoio a atividades, mais do que de fato um espaço de formulação. Essa coordenadoria não tem – e a gente nunca defendeu isso na política de juventude – status de uma secretaria, um ministério. Ela é uma coordenadoria de articulação. Cabe a ela oferecer e municiar o conjunto do governo sobre quais políticas devem ser desenvolvidas nesse tema que é tão transversal.

Ao falar de juventude, você fala de saúde, cultura, esporte, educação, lazer. Então juventude é um tema que precisa ser considerado em todas as áreas de governo e é um pouco essa vocação que a gente quer recuperar, reconstituir.

Houve essa mudança no papel institucional da coordenadoria?

Mudou porque a gente teve uma alteração nessa secretaria. Agora ela vai chamar Direitos Humanos e Cidadania, então possibilita, nessa reorganização, repensar o papel do tema diante de uma secretaria que tem um desafio: compreender os direitos humanos como tema fundamental. Não só a juventude, mas se a gente olhar os desafios da cidade, vai ver que tem aí as questões da população em situação de rua, do migrante. Agora, pensar a cidadania é pensar justamente uma grande política de reconstrução da dimensão pública da cidade. Pensar como a gente volta a conviver na cidade e, a partir dessa convivência, a gente voltar a valorizar a diversidade.

Isso lembra várias iniciativas protagonizadas por jovens que têm como mote a ocupação da cidade, por meio da cultura, que surgiram recentemente. O Baixo Centro, o #ExisteAmoremSP e a Agência Solano Trindade, por exemplo. Como a prefeitura pretende interagir com essas iniciativas que têm feito ações importantes?

Nós temos que pensar esse problema da cidadania como uma política articulada ente várias secretarias. E pensar a questão da ocupação do espaço público como centro da política municipal, envolvendo uma série de iniciativas que vão acontecer. Porque você pensa o desenvolvimento urbano da cidade voltado para a ideia do encontro, da ocupação, e não como um lugar para mera circulação das pessoas. Isso pressupõe colocar a Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania com papel muito importante.

A secretaria de cultura tem também papel fundamental, porque se ocupa o espaço público com arte, com criatividade, com as pessoas podendo conviver. E para isso, precisa ter uma dimensão não só do diálogo, mas precisamos estar integrados com uma política cultural, relacionados com o planejamento da cidade.

Temos algumas iniciativas que já estão sendo lançadas que são parte desse projeto, como, por exemplo, o Wi-Fi grátis pela cidade. Se a gente redimensiona as praças e parques da cidade com internet, se a gente cria uma política de ocupação dos espaços com programação cultural, se a gente promove debates na área do combate ao racismo, machismo, homofobia, do diálogo geracional, certamente a gente tem a possibilidade de reconstruir a centralidade dessa questão no governo.

Por exemplo, a Praça Roosevelt, em que eu tenho trabalhado. A praça representa um problema de conflito de gerações e de como elas ocupam aquele espaço, que foi mal planejado, inaugurado às pressas e que não pensou, dentro do seu projeto de uso, que um lugar de cimento liso seria totalmente ocupado por skatistas que não tiveram seu lugar na cidade garantido. Agora os skatistas o sentem como seu. Você não faz uma política de pensar a praça para todos sem estabelecer diálogos, pactos.

Estamos agora em pleno processo de pensar uma pista legal para os skatistas. Inclusive para poder negociar. Claro que a gente não precisa confiná-los, mas temos que pensar que determinados lugares devem ser para os idosos, crianças. Assim como nós precisamos pensar um plano de eventos para a praça. Senão vai concentrar tudo lá, porque é um espaço novo e simbólico.

E esses novos movimentos culturais jovens têm um papel central nessa política que a prefeitura vai organizar. Eles serão parceiros. Diferente de antigamente. Inclusive, eu acho que a motivação deles vai mudar. Eles tinham um simbolismo muito grande porque era tudo proibido na cidade. Havia um simbolismo mais forte por conta de estar fazendo uma política de transgressão ao que se estabelecia. A prefeitura agora vai estimular o diálogo, a ocupação do espaço – claro, com a necessidade de pactuar com a sociedade, com os moradores, porque não pode ser festa todo dia, toda hora e no mesmo lugar.

Certamente esses movimentos terão outro simbolismo, mas encontrarão na prefeitura uma parceira para que seus festivais, suas formas de ocupação possam se expressar. As próprias ações que o Fora do Eixo faz pressupõem internet, o Busão Hacker e outras. Então, se a gente tem wi-fi, é possível que se façam eventos transmitidos, com diálogos entre outras praças, criando circuitos integrados.

O Mapa da Violência mostra que os jovens são as principais vítimas, especialmente os jovens negros. Esse é justamente o foco do programa federal Juventude Viva, que atualmente só foi implantado em Alagoas. São Paulo vai para aderir a ele? E em quanto tempo?

A primeira coisa que estamos fazendo é o diagnóstico da cidade, dos domicílios na cidade e também da violência, entendendo quais são as questões que precisam ser encaradas no Juventude Viva. Nós não vamos combater homicídio com mais violência. Não é repressão que combate homicídio. No nosso entendimento, é uma série de políticas articuladas no território que vão permitir que o jovem saia de uma situação de vulnerabilidade, seja envolvimento com o crime organizado ou com tráfico e uma série de situações que acabam expondo ele mais gravemente. Não foi à toa que, nessa onda de violência, a grande maioria dos jovens que morreram tinha passado por medidas socioeducativas, tinha saído da situação prisional. Tem um perfil claramente identificado aí.

A maioria das vítimas dessa última onda de violência era fichada criminalmente?

É. Nas próprias chacinas que aconteceram, foi até relatado em vários veículos de comunicação, os jovens eram, em sua maioria, fichados. Inclusive, nesse mapeamento poderemos entender quais são as políticas que nós devemos priorizar. Dificuldade de conciliar trabalho e estudo é um fator importante. Dificuldade de acesso à cultura também.

Esses já são dois temas que dá para colocar como importantes. Nós temos pouca oferta de uma rede pública de lazer e cultura para a juventude. O grande espaço de convivência hoje na cidade são os shoppings e as igrejas. O Estado não oferece uma rede alternativa de convivência. Não queremos que o shopping center seja o lugar de convívio porque isso estimula o consumo. Nós queremos disputar valores. Então estamos nessa fase de diagnosticar quais são as demandas específicas de São Paulo para o programa e, mais do que isso, como a prefeitura entra com mais força.

A realidade de São Paulo é diferente da de Alagoas…

Nós temos condições em São Paulo de desenvolver políticas complementares a esse arco de parcerias que nós vamos estabelecer. É diferente de uma prefeitura de Alagoas. Estamos começando a olhar os dados e territorializá-los a partir dessa situação de homicídios e tentar identificar quais são os territórios que vamos atacar prioritariamente.

Quando se olha a situação de São Paulo, pode-se dizer que a taxa de homicídios está baixa, porque hoje é de dez mortes para cada 100 mil habitantes, uma taxa realmente pequena para padrões internacionais para as capitais. Agora, quando você territorializa, vai perceber que, em algumas regiões, tem índices altíssimos e que acometem principalmente a juventude. E tem uma incidência muito alta de jovens negros envolvidos nessa situação. Mas não são só negros que são mortos, temos jovens pobres brancos que também sofrem esse problema.

Como está o andamento do processo para estabelecer o convênio para Juventude Viva?

A ideia é que a gente desenvolva o projeto, para o governo federal fechar o pacote que será oferecido para São Paulo. Estamos em pleno diálogo, e vamos constituir o plano de trabalho com as secretarias. Provavelmente depois do carnaval conseguiremos instituí-lo.

Mesmo sem esses mapeamentos, o que já se sabe sobre as demandas para a juventude?

Você tem um grande problema hoje dos jovens que saem de medidas socioeducativas porque caem em um limbo completo. Como as políticas de juventude são muito novas, não temos um estatuto da juventude e não temos plano nacional de juventude aprovado, o Estado só pensa até os 18 anos. E quando faz essa idade, cai em um limbo completo de ausência de políticas. E quando a gente olha as faixas etárias, é entre os 18 e os 26 anos que há mais vítimas, do ponto de vista de homicídios, por exemplo.

Como a Coordenadoria vai se envolver na formulação de políticas na prática?

Nosso principal desafio agora é mapear todas as iniciativas do governo voltadas para a juventude. Você não faz políticas públicas sem entender qual é o alcance, o quanto se investe, quem são os beneficiados, qual é a faixa etária. Enfim, você precisa entender o que o governo faz para juventude. Essa é a primeira coisa que estamos fazendo.

Já fizemos um levantamento prévio e estamos estimulando que as secretarias nos digam ‘tem isso, não tem isso’ para fazer esse diagnóstico interno. Também é fundamental ter um bom mapa sobre juventude na cidade. Nós vamos ter dados. Isso passa por pegar o IBGE, pegar pesquisas voltadas para juventude, o PNAD, o Mapa da Violência. Pegar e territorializar. Porque não nos interessa saber só os dados gerais da cidade, mas entender como a juventude encara o território.

Ainda não temos recursos, mas queremos fazer um mapa que complemente esse cruzamento, com novas questões que nem o IBGE tenha eventualmente conseguido fazer. Questões mais específicas sobre comportamentos, grupos, como foi feito no primeiro Mapa, em 2002, que era para entender como os jovens se organizavam, quais eram os grupos.

Mas com os dados que nós temos, já é possível saber sobre desemprego, escolaridade, evasão escolar, uma série de indicadores. E esse indicador na cidade de São Paulo não pode ser geral. Porque senão, você não consegue resolver. Então nós vamos precisar ter indicador por território, subprefeitura.

Isso é a prioridade?

Sem dúvida alguma. E uma terceira dimensão, que complementa essas, é saber onde estão os equipamentos voltados à juventude. Para você produzir algumas respostas, tem que saber se vai ter naquele território equipamento que vai te permitir fazer alguma coisa ou inclusive planejar a criação de outro equipamento. Então é esse cruzamento sobre o que o governo faz, quem é e o que precisa a juventude da cidade e como os equipamentos públicos respondem a essas demandas.

É um cruzamento fino que precisa ser territorializado e que nos subsidia para poder fazer o diálogo. Então o próximo passo é articular conversas com o conjunto do secretariado do governo para poder oferecer tanto dados quanto sugestões de políticas. Aqui podemos criar hipóteses, sugerir programas. Mas é no dialogo com cada secretaria que vamos municiar o governo para responder a essas questões tão importantes. Vamos trazer escola técnica federal? Mas qual é o curso? Qual é a região? Porque não é só trazer, é pensar e inserir a juventude nos grandes programas da cidade. Vai ter o Arco do Futuro, que certamente terá centralidade, qual é o lugar da juventude no Arco do Futuro?

Isso tudo demora um tempo.

Com certeza. A gente não pode querer sair fazendo coisas sem ter planejamento. Isso certamente nos limita a ter resultado nos quatro anos. Acho que uma gestão tem que ser pensada em seus quatro anos. Tem gente que quer acelerar, botar logo na rua. Se você bota sem planejamento, a chance disso dar certo é muito pequena. É preciso ter calma, tranquilidade, porque às vezes as coisas não acontecem na velocidade que você quer.

Eu acho que, para ter um planejamento em conjunto, demora quase um ano. Não é que em um ano não vamos botar nada na rua. Não é isso. Acho que a gente precisa de meio ano para, além desse esforço de de levantamento de dados, reconstituir equipe, azeitar equipe, organizar etc. No final de um ano a gente já começa a ver a engrenagem funcionar. 

A gente falou muito sobre cultura e violência. São nessas áreas que estará centrada a política de juventude em São Paulo?

Por estar concentrada em uma secretaria de direitos humanos, vai haver uma força para que o tema da violência seja importante, apesar de termos de romper com a ideia de que juventude é só problema. Nós procuramos construir a política do Juventude Viva muito mais na positiva do que na negativa. Nós queremos pensar que o Juventude Viva é um grande programa de oferta de direitos e não de contenção da juventude.

E isso quebra a lógica de como o Estado trabalhou com a questão da violência, de que ‘se jovem é violento, cria-se mais Febem, mais polícia. Bota quadra de esporte só para o cara cansar’. Nós não. Queremos quebrar isso com oferta de direitos e possibilidade de vivência até do tempo livre. Reconhecer que o período da juventude é um momento de escolhas. Até por isso que a gente fala em autonomia e não mais tutela e proteção como o ECA trabalhou durante muito tempo.

Juventude é participação, autonomia, emancipação. Agora há temas que nós estamos tentando trabalhar aqui e que são centrais. O tema da educação é muito importante, mas nós não temos muita condição municipal de avançar, porque a faixa etária que a gente trabalha, na sua grande maioria, é atendida por políticas estaduais ou federais. Então nos cabe acompanhar a vinda do Pronatec, acompanhar a vinda da escola técnica federal.

Enfim, temos que ajudar a pensar, mas não é efetivamente o município que cuida dessa área. Mas o trabalho é muito, muito importante, porque tem a ver com políticas municipais. Por exemplo, o Bolsa Trabalho, um programa que foi bastante importante e hoje está bem precário, como uma política de apoio de não-pressão para o jovem trabalhar muito cedo, para que possa continuar seus estudos, ampliar sua escolaridade, poder fazer uma disputa de inserção produtiva lá na frente. Olhar para a questão de oferta de qualificação profissional, potencial de desenvolvimento da região e mão de obra disponível. O que a gente oferta para esses jovens de qualificação, quais as possibilidades de inserção. Isso exige planejamento de gestão.

Isso tem a ver com aquela reivindicação de alguns grupos de parar de só oferecer curso de padeiro e costureira, não é?

Tem tudo a ver. Porque a gente não faz disputa com o crime organizado oferecendo condições precárias de inserção produtiva para a juventude. Nós precisamos pensar nisso. Nós precisamos planejar uma cidade para um desenvolvimento pulsante, criativo. Desenvolver polos de economia solidária. Você tem uma gama de possibilidade de formação para a juventude se inserir que é enorme. Claro que você precisa desse tipo de mão de obra, mas não pode ser só isso.

O problema é que se pensa política de formação para juventude sempre com políticas de precarização. E os outros temas centrais, que eu esqueci, tem a cultura que eu já falei, e a cidadania digital. Mais que a inclusão digital porque agora não é só incluir, mas como você utiliza das tecnologias da informação, da internet para constituir redes, ampliar horizontes, potencializar inclusive do ponto de vista do trabalho.

Então isso tem muita centralidade para a juventude. E também políticas de mobilidade que possibilitem o trânsito do jovem, ou seja, o direito à cidade. Porque hoje a gente tem a situação de vários jovens confinados em um território que não os pertence porque esse território não oferece nada que ele possa experimentar.

Com o bilhete único mensal, por exemplo, aumenta muito a pauta do estudante, porque ele vai poder circular livremente pela cidade, não tem mais cota. Permite que ele vá a uma biblioteca, namorar, ao cinema, na balada, enfim, vivenciar. E eu acho que tem o desafio de pensar políticas de acessibilidade noturna também. Esse é um tema que nós vamos precisar provocar o governo para conseguir avançar.

Deixe um comentário