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Stonewall 50 anos: No Brasil, a violência institucional contra a população LGBT+ está no Palácio da Alvorada

Um dos autores do livro “História do Movimento LGBT no Brasil”, Leandro Colling fala sobre as origens da revolta nos Estados Unidos e defende a união de movimentos identitários em tempos de bolsonarismo

O dia 28 de junho de 1959 entrou para a história como o “dia D” para o movimento LGBT+ mundial. Naquela data, eclodiram manifestações contra a repressão LGBTfóbica, após uma batida policial no bar Stonewall Inn, em Nova Iorque. O movimento que tomou as ruas da metrópole norte-americana veio na esteira de uma organização sólida de parte da população LGBT+. A Revolta de Stonewall, como ficou conhecido o episódio daquele 28 de junho, foi o ápice e o ponto de partida para muito mais. Depois daquele dia, lésbicas, gays, bissexuais e a população trans e travesti não estavam mais no mesmo lugar. Não aceitariam mais ser marginalizados.

Em entrevista para a Gênero e Número, Leandro Colling, doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), explica as relações entre aquele movimento e as lutas que essa população ainda enfrenta hoje — tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Colling foi o organizador do livro “Stonewall 40 + o que no Brasil?”, que reúne artigos de pesquisadores do movimento LGBT+, e é um dos autores do livro “História do Movimento LGBT no Brasil”, onde faz uma reflexão sobre as mudanças no movimento nos últimos anos.

Leandro Colling: A importância residiu na capacidade de gerar um acontecimento muito visibilizado que motivou outras pessoas a terem coragem para protestar e se organizar em suas cidades. E também fortaleceu os grupos que já existiam, que passaram a ter mais reconhecimento e a receber a adesão de novas pessoas e instituições.

Gênero e Número: O Brasil estava vivendo o ápice do período militar naquele ano. Houve a possibilidade de algum impacto da revolta de Stonewall chegar ao Brasil? Se não, quando o movimento LGBT+ no Brasil conseguiu crescer e se firmar como o conhecemos nos dias de hoje?

Leandro Colling: O momento histórico do nosso país na época — em plena ditadura em seu período mais cruel, com outra configuração midiática e poucas pessoas em condições de fazer viagens internacionais — fez com que os impactos da Revolta de Stonewall tenham demorado um pouco a chegar no Brasil, no sentido de organizar coletivos oficiais de lutas por direitos. Apenas em maio de 1978 é que ocorreu a primeira reunião das pessoas que logo depois fundariam o Somos – grupo de afirmação homossexual, que viria a articular e criar o Movimento Homossexual Brasileiro (MHB).

Mas como os Estados Unidos antes de Stonewall, isso não quer dizer que não existia nada no Brasil antes do Somos. Pelo menos desde finais dos anos 1960, uma série de bares, boates e demais espaços de socialização das pessoas LGBT+ se expandiam em grandes capitais. Uma série de coletivos artísticos ou artistas independentes também já produziam outras políticas em prol da diversidade sexual e de gênero e foram muito perseguidos pela ditadura no Brasil. Assim como aconteceu com outros movimentos sociais, apenas com o fim da ditadura cívico-militar o movimento LGBT+ conseguiu se organizar e crescer no Brasil.

Gênero e Número: Os movimentos LGBT+ do Brasil têm reclamado de supressão de direitos e aumento da violência, principalmente nos últimos anos. A garantia de direitos no Brasil, hoje, passa pela necessidade de mais uma revolta popular ou precisa ser feita por outros meios?

Leandro Colling: Sim, o cenário para os movimentos LGBT+ hoje no Brasil é muito ruim, é péssimo, é horrível. As poucas políticas que ainda existiam no governo federal foram extintas, o aumento da violência foi mais do que comprovado no último Atlas da Violência, divulgado recentemente. Além disso, o discurso de ódio, que é produzido inclusive por quem está no Palácio do Planalto hoje, cria um processo de subjetivação nacional que permite a proliferação da violência em suas mais variadas dimensões.

Hoje, até os eventos acadêmicos que produzimos precisam de um esquema especial de segurança porque recebemos ameaças de grupos fundamentalistas, inclusive ameaças contra as nossas vidas. Não sei se temos forças, nesse contexto, para uma revolta popular, mas penso que devemos repensar muito as nossas formas de fazer política identitária em nosso país. Fazer abaixo assinado, pressionar o governo via audiências, por exemplo, é algo que é absolutamente inócuo hoje. Em tenho defendido que os diversos movimentos identitários (negros, mulheres, feministas, LGBT+, quilombolas, indígenas, candomblecistas e outros) encontrem formas de pensar as suas lutas de modo interseccional.

Não é mais possível que cada um continue no seu quadradinho lutando apenas pelas suas especificidades. É preciso encontrar pontos em comum, coisas que nos atravessam, para continuar existindo e lutando. Do contrário, o extermínio vai continuar.

Gênero e Número: 50 anos depois, como você analisa a relação das forças de segurança com a população LGBT+?

Leandro Colling: O relacionamento da polícia com esses grupos não mudou. A polícia continua exterminando-os, seja coma morte física, seja por não reconhecer as violências sofridas por essas comunidades, motivadas pelo racismo, LGBTfobia ou simplesmente pela falta de investigação dos crimes.

Gênero e Número: Há uma ascensão, ou manutenção, da violência institucional contra a população LGBT+ no Brasil e no mundo hoje? Como combatê-la?

Leandro Colling: No Brasil, a violência institucional contra a população LGBT+ está hoje no Palácio da Alvorada, em todos os ministérios e na maioria dos congressistas. Precisa dizer mais alguma coisa? A forma de combatê-la é fazendo política, repensando nossas estratégias e formas de fazer política, denunciando isso ao mundo, e resistindo até quando der.

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