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Suicídio é uma questão de saúde e de política

Psicóloga defende ações intersetoriais, investimentos e  também a importância no controle do acesso a armas de fogo, uso de agrotóxicos/pesticidas e à abordagem da mídia sobre o tema

Por questões morais, culturais, religiosas, entre outras, o suicídio, como a morte, é um tema que socialmente consideramos tabu. Isso significa que pouco se discute sobre o assunto, promovendo desconhecimento, medo e diminuindo a conscientização. Como consequência, cria-se um estigma social e muitas pessoas não encontram oportunidade para falar o que pensam e sentem, nem para descobrir e criar outras alternativas para lidar com seu intenso sofrimento.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), no relatório “Preventing Suicide – A global imperative” (2014), um suicídio é cometido a cada 40 segundos no mundo, sendo mais frequente na adolescência, juventude e na velhice. É a segunda causa de morte na faixa etária dos 15 aos 29 anos. No Brasil, estudos apontam o crescimento desses casos. O Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde, em 2017, indica que, de 2011 a 2015, a taxa de suicídio foi de 5,5 a cada 100 mil habitantes, com as maiores taxas na população indígena jovem.
Diversas causas

Os fatores que aumentam o risco de suicídio mostram que ele é complexo e não podemos indicar apenas uma causa. Esse tema é uma questão de saúde pública, e estudos apontam que transtornos mentais, uso de drogas, doenças, isolamento social, violência, desemprego, preconceito, por exemplo, são fatores de risco. Assim, a atual degradação das condições de vida da população, que aumenta os riscos mencionados, poderá impactar as taxas de suicídio nos próximos períodos.

Pesquisas apontam a associação entre suicídio e consumo de drogas lícitas ou ilícitas na adolescência e juventude, destacando, por um lado, as vulnerabilidades características dessa fase do desenvolvimento e, por outro, as alterações de consciência e autocontrole após o uso de algumas dessas substâncias. Nessas fases são vivenciadas muitas mudanças nas relações interpessoais, no corpo, enfrentamento de situações novas, emoções novas, decisões. Entender esse processo ajuda a promover o bem-estar do adolescente e do jovem, o que é mais difícil no cenário atual de desemprego, diminuição do acesso à educação, à cultura, à saúde.

Assim como existem fatores de risco, existem fatores de proteção. Os mais importantes referem-se à rede de apoio social e à facilidade de acesso aos serviços de saúde. Qualquer unidade do Sistema Único de Saúde pode acolher a população e oferecer atendimento e orientação sobre esse tema. Familiares, professores, e população em geral também precisam estar informados sobre o assunto, necessidade que levou à criação da campanha internacional “Setembro Amarelo”.

Retrocessos

É preciso avaliar se, enquanto sociedade, estamos tomando as medidas para evitar o suicídio e para assegurar assistência quando ele não pode ser evitado. Os principais métodos envolvem itens cujo acesso pode ser controlado, como armas de fogo e agrotóxicos/pesticidas. Grande parte da mídia brasileira não cumpre a função de informar, noticiando os casos de forma desrespeitosa e sensacionalista, promovendo uma revitimização das pessoas envolvidas. Entre os jovens é preocupante o uso das redes sociais para incentivo do suicídio e desqualificação daqueles que o tentam ou cometem.

No que se refere às políticas públicas, vivemos um retrocesso. Ao mesmo tempo em que novas compreensões sobre o assunto levam à necessidade de preparar adequadamente os serviços e a população, aprovam-se medidas de ajuste fiscal que afetam, de forma direta, o financiamento do sistema de saúde e de outros setores estratégicos para o cuidado e prevenção.

Embora o Brasil busque atender à agenda da OMS para a Saúde Mental (Plano de Ação de Saúde Mental 2013-2020), reduzindo em 10% as taxas de suicídio até 2020, o governo Temer, após o golpe de 2016, com apoio da Câmara e do Senado, aprovou a Emenda Constitucional nº 95 (EC 95), congelando investimentos, inclusive com saúde, pelos próximos 20 anos.

A Reforma Trabalhista, aprovada no mesmo cenário político, também prejudica as possibilidades de redução desse índice, já que precárias condições de trabalho estão associadas ao suicídio. Como denunciam várias entidades de trabalhadores e usuários de saúde, medidas vêm alterando a Política Nacional de Saúde Mental, colocando em risco a proposta de atendimento sem violência contra o usuário, e o financiamento da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), especificamente dos Centros de Atenção Psicossocial para tratamento de álcool e outras drogas (Caps AD).

Neste “Setembro Amarelo” de 2018, é preciso que a sociedade discuta o suicídio, busque a compreensão do tema, e posicione-se em ações que possam, talvez já em 2019, apresentar um cenário mais positivo e eficiente na abordagem dessa sensível questão.

* Sofia Dionizio Santos é professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG/Campus de Cajazeiras), mestre em Psicologia, feminista e militante da Marcha Mundial das Mulheres

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