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TCU recomenda taxação de agrotóxicos conforme grau de toxicidade à saúde

Causadores de câncer e outras doenças que matam e oneram o SUS, os agrotóxicos são isentos de Imposto de Importação, de IPI, PIS/Pasep e Cofins. E não pagam ICMS em vários estados

Na Dinamarca, quanto mais perigoso forem os agrotóxicos à saúde e ao meio ambiente, maior será a sua tributação. Além de arrecadar impostos para ajudar a custear o tratamento de doenças e a lidar com os danos ambientais, o governo encarece o produto, desestimula seu uso e investe em medidas para incentivar a agricultura sustentável, com alimentos saudáveis acessíveis para toda a população.

A medida tem surtido efeitos. O país do norte da Europa caminha a passos largos para ter 100% de sua produção agrícola livre de venenos nos próximos 10 anos. A boa notícia foi trazida pela ministra-conselheira da Embaixada Real da Dinamarca no Brasil, Laura Nielsen. Laura discutiu em audiência pública na Procuradoria-Geral da República na tarde desta quinta-feira (27), em Brasília, a isenção fiscal aos agrotóxicos no Brasil, uma situação completamente oposta.

Sem apoio governamental, a transição da agricultura regada a chuvas de veneno para uma produção agroecológica é um sonho realizado por poucos, em pequenas propriedades. Projetos de políticas públicas nesse sentido caminham lentamente  no Congresso Nacional.

Enquanto isso, os trabalhadores não têm acesso a alimentos de qualidade, como têm as classes mais favorecidas. Apenas uma elite tem na mesa alimentos nutritivos e saudáveis, como os produzidos antigamente, que mataram a fome da humanidade, do advento da agricultura até o pós-Guerra, quando as lavouras tornaram-se o alvo da indústria e suas armas químicas.

Principalmente as do Brasil. De 2008 para cá, o país ocupa o posto de maior consumidor mundial desses produtos. Uma liderança que tende a se ampliar. Sob o governo de Jair Bolsonaro (PSL), o Brasil segue liberando novos produtos em velocidade jamais vista no mundo. Já são 239 em apenas seis meses, muitos deles perigosos e banidos em outros países.

Farra do veneno
E o que é mais grave: União e governos estaduais dão sua contribuição à farra dos agrotóxicos. Há desoneração de tributos federais, como o Imposto de Importação (II), sobre produtos industrializados (IPI) e contribuições  como o PIS e Cofins. E estaduais, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que incidem sobre todos os produtos, inclusive aqueles de alta toxicidade.  Isso porque as cláusulas 1ª e 3ª do Convênio nº 100/97, do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), reduzem em 60% a base de cálculo do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para agrotóxicos.

“Isso permite que em alguns estados, como no Ceará, haja isenção do imposto para agrotóxicos”, destacou João Alfredo Telles Melo. Professor de Direito Ambiental do Centro Universitário 7 de setembro (UNI7), de Fortaleza, e presidente da Comissão de Direito Ambiental da OAB/CE, Telles é coautor da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5.553/16, que questiona no Supremo Tribunal Federal (STF) as cláusulas do convênio Sefaz e o o Decreto 7.660/11, sobre a isenção total de IPI.

Em 2017, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se manifestou favorável à inconstitucionalidade da isenção. Em seu parecer, ela argumenta que os dispositivos contrariam direitos constitucionais ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, à saúde coletiva e à proteção social ao trabalhador, além de fomentarem o uso intensivo desses produtos.

A petição, protocolada pelo Psol, tem ainda a assinatura da advogada Talita Furtado, pesquisadora do Núcleo de Trabalho, Meio Ambiente e Saúde (Tramas) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e professora no curso de Direito da Universidade Federal Rural do Ceará. Ambos participaram da audiência pública.

Agrotóxicos abatidos
Mas não é só. Como são insumos agrícolas, os agrotóxicos podem ser abatidos integralmente como despesa nos impostos sobre a renda de quem os utiliza. É o caso de grandes proprietários de terra, onde estão imensas plantações de soja, cana, eucalipto, milho e algodão, entre outras, regadas a grandes doses de agrotóxicos pulverizados de avião, que espalham doenças como câncer, malformações congênitas e outros problemas graves, incapacitantes e letais, que destroem vidas e oneram o SUS.

Diretor de Agricultura e de Ordenamento Territorial da Secretaria de Controle Externo da Agricultura e Meio Ambiente do Tribunal de Contas da União (TCU), Vinícius Neves dos Santos trouxe dados alarmantes. O Tribunal estima que de 2010 a 2017 houve renúncia fiscal de quase R$ 9 bilhões devido à alíquota zero do PIS/Pasep e Cofins com a inclusão dos agrotóxicos entre os itens da cesta básica.

Nesse período, a média anual da desoneração para agrotóxicos foi superior a R$ 1 um bilhão de reais, representando em torno de 8% do total da renúncia de receita dessas contribuições relativa à desoneração da cesta básica.  “Tanto que o TCU recomenda a desagregação dos agrotóxicos e demais itens no demonstrativo das desonerações para mais transparência no seu acompanhamento”, disse.

Em abril de 2018, o TCU publicou relatório de auditoria da governança da União na implementação da Agenda 2030, bem como a meta 2.4 dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Conforme o documento, os ministros do tribunal  recomendam que o governo federal, com participação de autarquias como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), avaliem “a oportunidade e a viabilidade econômica, social e ambiental de utilizar o nível de toxicidade à saúde humana e o potencial de periculosidade ambiental, dentre outros, como critérios na fixação das alíquotas dos tributos incidentes sobre as atividades de importação, de produção e de comercialização de agrotóxicos”.

Poluidor pagador
“As desonerações tributárias concedidas no Brasil a agrotóxicos independem do nível de toxicidade e do potencial de periculosidade ambiental desses produtos, beneficiando igualmente agrotóxicos muito ou pouco tóxicos, muito ou pouco perigosos ao meio ambiente. Isso pode desestimular o desenvolvimento de alternativas mais sustentáveis sob os pontos de vista sanitário e ambiental”, destaca ainda o documento.

Os ministros mencionam o princípio do poluidor-pagador, segundo o qual “os governos nacionais devem fomentar a internalização dos custos ambientais pelo poluidor, e o uso de instrumentos econômicos que impliquem que o poluidor deve, em princípio, arcar com os custos da degradação ambiental”. Tal princípio foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio da assinatura da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, documento oficial aprovado por mais de 170 países na Conferência.

Em resumo, o TCU aponta que o governo federal não tem rotinas nem metodologia de acompanhamento e de avaliação das desonerações tributárias do II, do IPI, da Cofins e das contribuições para o PIS/Pasep referentes a agrotóxicos. “Não há objetivos, metas ou indicadores para a mensuração da eficiência, eficácia ou efetividade dessas medidas, de maneira que não se produzem informações avaliativas que retroalimentem o processo decisório sobre a manutenção, renovação, alteração ou extinção de cada incentivo tributário”.

A expectativa de procuradores da República e representantes de entidades que apoiaram o debate, como a Associação Brasileira dos Membros do Ministério Público de Meio Ambiente, Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida e Terra de Direitos, é que o relator da ADI 5.553 no STF, ministro Edson Fachin, convoque audiência pública para respaldar seu voto.

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