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Três gerações de profissionais de saúde, usuários e familiares contra o novo diretor de Saúde Mental

Definitivamente, esta quinta-feira, 14 de janeiro de 2015, entrará para a história das instituições e movimentos sociais ligados à luta antimanicomial no Brasil.

Primeiro, porque faz um mês que profissionais de saúde, acadêmicos, familiares e usuários ocupam a coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, em Brasília, contra a nomeação do psiquiatra Valencius Wurth Duarte Filho para coordenador-geral do setor.

De 1994 a 1998, relembramos, Valencius, na condição de diretor-clínico da Casa de Saúde Dr. Eiras, em Paracambi, na Grande Rio de Janeiro, ajudou a escrever páginas tenebrosas do maior hospício privado da América Latina. Aí, centenas de usuários foram maltratados por anos, alguns até a morte, geralmente por fome (alimentação e péssima em qualidade e quantidade), violência física, eletrochoques sistemáticos, doenças de fácil controle e curáveis. Uma verdadeira casa de horrores.

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Apaniguado do ministro da Saúde, Marcelo Castro, Valencius teve seu nome anunciado em 10 de dezembro e tomou posse em 7 de janeiro, mas, devido à ocupação,  está despachando de outra área do ministério.

Segundo, porque no mesmo dia 14, às 10h, acontece o Loucupa Brasília#Fora Valencius, em frente à sede do Ministério da Saúde.

Caravanas de profissionais de saúde, familiares e usuários do Rio de Janeiro, São Paulo- capital, São Bernardo do Campo e Santo André (ABC paulista), Campinas, Jundiaí, Belo Horizonte, Uberlândia, Governador Valadares,  Recife, João Pessoa, Palmas e Porto Alegre desembarcam na capital federal para denunciar o retrocesso na política nacional de Saúde Mental representado pelo novo coordenador-geral de Saúde Mental  e pedir a sua exoneração.

A indignação é tamanha que a luta antimanicional se reorganizou em todo o País em apenas 72 horas. Mais precisamente de 11, dia seguinte ao anúncio do nome do novo coordenador de Saúde Mental pelo ministro Marcelo Castro, a 13 de dezembro. Daí em diante o movimento #Fora Valencius só cresce.

Um dos momentos históricos aconteceu  no dia 18 de dezembro, na cidade do Rio de Janeiro. Neste século XXI, nunca se viu antes uma mobilização tão grande da saúde mental carioca e fluminense, que culminou com a já antológica audiência pública realizada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Entidades, serviços, usuários, familiares, gestores, estudantes da área, parceiros sindicais (entre os quais, a Associação dos Trabalhadores da Fiocruz), blocos/pontos de cultura (como Loucura Suburbana e Tá pirando pirado, com os seus ritmistas)… Todo mundo se juntou e se desdobrou para o ato do dia 18.

“A gente se encontrou na Cinelândia, centro do Rio, para esquentar as baterias”, conta a psiquiatra Ana Paula Guljor, pesquisadora do Laboratório de Estudos e Pesquisas em Saúde Mental e Atenção da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). “Faixas iam sendo pintadas enquanto o banquinho da praça servia de púlpito para quem quisesse expressar sua indignação. A saída pelas ruas Cinelândia, Araújo Alegre, 1º de março até a Alerj foi um misto de protesto e encontro de três gerações.”

Aquela que, em fins da década de 70 e início da de 80, abriu espaço para a mudança, protestando contra a ditadura militar, a opressão dos loucos e da vida em espaços manicomiais. Hoje, são jovens senhores de cabelos brancos, mas caminhando firmes com suas faixas.

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O time dos anos 90 com seus cabelos já chegando ao grisalho, mas ainda jovens profissionais, professores, militantes com uma trajetória.

Por fim, se misturando, a geração dos jovens profissionais recém-formados, residentes, estudantes de graduação, alunos de especialização.

“Até hoje me arrepia pensar que aquele encontro de gerações é o símbolo da garantia da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial”, observa Ana Paula Guljor. “A transmissão de uma construção não é só técnica, é também de valores que levam à luta de resistência e à consistência de argumentos.”

Assim, entre marchinhas, palavras de ordem, muitos cartazes e faixas e cartazes, manifestantes lotaram as galerias e o grande plenário da Alerj, para audiência pública na Comissão Saúde e Trabalho, coordenada pelo deputado estadual Jair Bittencourt (PR-RJ). Tema: A Política Nacional de Saúde Mental. A sugestão da sessão especial partiu do presidente da Casa, o deputado estadual Jorge Picciani (PMDB-RJ).

A sessão durou 2h28m09s.  Falaram representantes dos usuários, acadêmicos e parlamentares, além do próprio Valencius Wurch.

Da esquerda à direita, todos os deputados estaduais presentes se manifestaram contra Valencius: Paulo Ramos (Psol), Marcelo Freixo (Psol), Luiz Martins (PDT), Luiz Paulo Correia da Rocha (PSDB), André Siciliano (PT), Wanderson Nogueira (PSB),  Carlos Minc (PT) e Flávio Serafini (Psol).

Eles foram unânimes: Valencius não tem legitimidade para ser coordenador-geral de Saúde Mental. Alguns sugeriram, inclusive, que pedisse ao ministro Marcelo Castro a sua exoneração.

“Hoje de manhã, minha sobrinha, que é  psicóloga de um CAPS [Centro de Atenção Psicossocial]  aqui no Rio de Janeiro, me falou: ‘Tio, olha o absurdo que está acontecendo na saúde mental’”, contou o deputado Luiz Martins (PDT). “E, de de fato, quando eu chego aqui hoje, o que eu escuto [de Valencius] é  um discurso vazio.”

Realmente, se ainda havia alguma dúvida sobre a legitimidade de Valencius na coordenação da Saúde Mental, ela acabou na audiência pública. Ele foi reduzido a pó.

Dono de um currículo pífio para o cargo de coordenador-geral de Saúde Mental, Valencius, na  sua vida profissional nunca este ligado a nenhum projeto de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais.

E isso se escancarou na audiência pública.

A fala de Valencius foi como uma repetição da história da Reforma Psiquiátrica. Buscou dar a impressão de que a conhecia, como se isso bastasse.

Referiu-se aos jovens profissionais como se eles nada conhecessem do processo. Puro engano.

Não detalhou o quadro atual — existem dados de gestão e muitos estudos científicos publicados. Muito menos tocou nas inovações, nos impasses, desafios, estratégias de superação.

Comprovou-se o que já se supunha: Valencius não tem um projeto de política pública para a Saúde Mental.

“O que está em questão é a história do senhor Valencius? Não, não é”, observou  o professor Benilton Bezerra Jr, adjunto no Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). “O que está em questão é que o povo brasileiro não aceita mais que se faça  politica pública dessa forma, chamando para a coordenação  alguém que não tem legitimidade  para essa cargo. A coordenação  Nacional de Saúde Mental  não se pega, se conquista”.

Realmente, é inadmissível colocar para coordenar uma das áreas mais sensíveis Ministério da Saúde um amigo do ministro, sem legitimidade alguma no campo da Saúde Mental.

Mas o que mais chamou a atenção desta repórter foi o comportamento de Valencius. Permaneceu impassível o tempo todo. Sequer conseguir encarar os seus críticos, que, ao contrário, fizeram questão falar-lhe olhando nos olhos.

“Senhor Valencius, o senhor não deve lembrar a mim, mas eu lembro, por quem bate nunca lembra, mas quem apanha nunca esquece”, interviu Iracema Polidoro, do Movimento Nacional da Luta Antimanicomial.

O mesmo fizeram a pesquisadora da Fiocruz, Ana Paula Guljor e a professora Paula Cerqueira, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Comprove isso no vídeo abaixo, que foi editado, solidariamente, com muita presteza, para esta matéria pelo jornalista jornalista Ricardo Weg, a pedido da também jornalista e ativista digital Débora Cruz,ambos de Brasília.

Contém a íntegra da falas de Iracema Polidoro, Ana Paula Guljor, Paula Cerqueira e de Valencius Wurch. Sugiro firmemente que o assistam, para entender  por que profissionais de saúde, acadêmicos, usuários e  familiares dizem não a Valencius. O vídeo contendo a íntegra da audiência está no final desta reportagem. Clique aqui para ver parte dele.

1. Valencius Wurch não pedirá exoneração. Quem conviveu e compactuou com as atrocidades cometidas na casa de horrores Dr. Eiras-Paracambi, não vai se abalar com a pressão e rejeição unânime ao seu nome.

2. O ministro Marcelo Castro não terá a grandeza de voltar atrás na nomeação, reconhecendo ter errado na escolha.

Considerando tudo isso, gostaria que este alerta chegasse à presidenta Dilma: a política nacional de saúde mental do Brasil é um dos programas mais exitosos do Ministério da Saúde. É reconhecida e aplaudida internacionalmente. Corremos o sério risco de retroceder. Voltar à época das trevas.

Sei que a presidenta tem agenda apertadíssima. Mas seria muito bom que a senhora assistissse, pelo menos, ao vídeo acima. Vai entender melhor por que #Fora Valencius.

Assista à íntegra da audiência, clicando aqui.

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