Frei Betto enumera razões para, ainda que devagar, Igreja Católica passe a rever seu ‘catálogo de proibições’ e debater a sexualidade dos fieis
São Paulo – O Vaticano vai se reunir, em outubro, para debater o documento chamado Instrumento de Trabalho Preparatório ao Sino da Família, divulgado no último dia 23, no qual o papa que flexibiliza a posição oficial da Igreja Católica em relação a homossexualidade. O documento é resultado de uma iniciativa, introduzida pelo Papa Francisco em 2013, que encaminhou à todas as dioceses do mundo um questionário com 39 perguntas, para leigos católicos, acerca dos valores da família.
O religioso e assessor de movimentos sociais Frei Betto, em seu comentário de hoje (7) à Rádio Brasil atual, explica que a igreja sinaliza buscar equilíbrio entre os seus ensinamentos tradicionais à família e uma atitude respeitosa e sem juízo de valor sobre pessoas recasadas, aos casais gays e o uso de preservativos. O documento indica que a igreja deve julgar menos e ser mais acolhedora aos fiéis que vivem em situações consideradas contrárias à sua doutrina.
Para Frei Betto, passar a julgar menos é um golpe no “farisaísmo” que predomina há séculos na Igreja Católica. “Quantos divorciados e recasados se julgam impedidos de acesso ao sacramento sob peso de uma culpa de não é deles?”, questiona.
“Se no passado o Vaticano considerou a homossexualidade ‘intrinsecamente desordenada’ agora considera que os atos homossexuais são pecaminosos, mas não as tendências homossexuais”, explica o religioso. O documento considera que se um indivíduo procura Deus “de boa vontade” e é homossexual, a Igreja não deve julgá-lo.
Ainda em seu comentário, Frei Betto afirma que o cristianismo não é um catálogo de proibições, no qual predominariam culpas, medos e condenações, e sim a “boa nova” de Jesus Cristo. “Os filhos de casais gays devem ser acolhidos ao batismo e demais sacramentos, com a mesma dignidade com que são admitidos os filhos de casais heterossexuais.”
O escritor aponta ainda que desde o início do século XX, quando começaram a surgir as teorias de Freud acerca da homossexualismo, há uma tentativa de quebrar um tabu, que até hoje impede a igreja católica de debater a sexualidade. Durante o Conselho Vaticano 2º, na década de 1960, bispos propuseram a discussão sobre o tema, mas os segmentos conversadores da igreja se opuseram. Já em 1995, frente a disseminação da aids, quinto arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, defendeu, em uma entrevista à Folha de São Paulo, o uso de preservativos.
“O meu professor de teologia moral dizia que essa história do casal só poder ter relações sexuais para procriar não é teológico, é ‘zoológico'”, brincou. “Hoje sabemos que mesmo entre animais há sexualidade como expressão do afeto e que também há relações entre animais do mesmo sexo. A homossexualidade não é, portanto, um desvio da natureza como alguns ainda insistem em afirmar.”
Ouça aqui o comentário completo na Rádio Brasil Atual.