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Projeto de bolsonarista quer ampliar as internações compulsórias de pessoas com sofrimento mental

10.dez.2024 Por Norian Segatto

No dia em que se comemora o Dia Internacional dos Direitos Humanos (10dez), a Câmara Federal coloca na pauta de votação um projeto de lei (PL 551) que vai contra toda a dignidade humana. De autoria do deputado bolsonarista Carlos Jordy (PL-RJ), o dito PL altera a Lei 10.216 (da reforma psiquiátrica) para dispor “sobre a internação compulsória de pessoas com transtornos mentais em cumprimento de penas e medida de segurança.

Imediatamente após o anúncio da possibilidade de votação do PL em plenário, diversas entidades se posicionaram contra a tentativa de desconfiguração da lei da reforma psiquiátrica.

Sonia Barros, diretora do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, do Ministério da Saúde, ressalta os perigos do retrocesso democrático do projeto. “As justificativas presentes nos documentos que apresentam o PL 551/2024 e demais propostas apensadas evidenciam a aventura em que se engajam importantes quadros do Poder Legislativo Federal, pois, sem respaldo técnico e em atenção a determinadas informações midiáticas descuidadosas com as políticas públicas e suas normas brasileiras, motivam-se a violar os direitos humanos das pessoas que são, historicamente, duplamente violentadas pelo Estado Brasileiro, pela agregação estigmatizante do cometimento de crime ao eventual contexto de sofrimento psíquico ou transtorno mental. Há quase 40 anos o Brasil segue, com os esforços de centenas de milhares de trabalhadores do SUS, na consolidação da prática de cuidado em liberdade. Porém, há menos de 40 semanas, o PL 551/2024, que amalgama as demais propostas apensadas, propõe a quebra da história da solidariedade e da ciência como bases sociais de construção da coesão da sociedade brasileira. A iniciativa legislativa em pauta traz justificativas que desumanizam os sujeitos indesejados, a despeito de, ao longo das décadas passadas, a mesma sociedade ter estado sensível aos direitos humanos e ao dever de o Estado Brasileiro criar condições de manter a harmonia entre tais direitos e o dever de responder perante o cometimento de um crime. O PL propõe atribuir aos sujeitos o dever do Estado em proteger a todas e todos. Se o nexo entre direitos das pessoas e os deveres do Estado se desfaz, o cuidado torna-se parte de um processo de desigualdade social, cabendo apenas às pessoas que não cometem crimes – mais que isso, apenas àquelas socialmente indesejadas”.

Em nota, a Comissão Intersetorial de Saúde Mental (CISM), órgão vinculado ao Conselho Nacional de Saúde aponta diversas ilegalidades no teor do PL, entre elas o conceito de periculosidade, visto não caber, segundo a CISM, evidência científica nem embasamento legal para o uso de tal conceito e a previsão de determinação ou ampliação do prazo de internação, pois não se trata de matéria que ao legislador estabelecer, e, sim, aos profissionais de saúde. A nota da Comissão aponta, ainda, outros problemas no PL, como conceitos de “liberdade vigiada”, “asilamento” entre outros.

“O PL 551/2024 não traz nenhuma inovação ou melhoria a Lei 10.216/01. Ao contrário, afronta as próprias normas constitucionais, e cria confusões e imprecisões em sua aplicação, especialmente entra em choque com a maior pactuação internacional sobre o tema, assinada pelo Brasil em março de 2007: a Convenção Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, promulgada pelo Decreto nº 6.949/2009, e com status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, CF), que amplia o rol dos direitos fundamentais. Portanto, não pode ser impactado por uma lei ordinária, sob pena de violação da regra constitucional da proteção da cláusula pétrea do art. 60, da CF”, alerta a CISM.

A presidente da Abrasme – Associação Brasileira de Saúde Mental, Ana Paula Guljor, chamou o PL de uma tentativa torpe de desvirtuar o fundamento da lei 10.216, que preconiza o cuidado em liberdade. “Esse projeto quer, também, acabar com a Resolução 487, do Conselho Nacional de Justiça”, que “institui a Política Antimanicomial do Poder Judiciário, por meio de procedimentos para o tratamento das pessoas com transtorno mental ou qualquer forma de deficiência psicossocial que estejam custodiadas”.

Outra voz que se posiciona contra o projeto vem de Gabriel Henrique Figueiredo, do Conselho Federal de Psicologia: “Este PL afronta os princípios da Lei 10.216, trazendo para a lei que consideramos um marco da reforma psiquiátrica e da luta antimanicomial uma perspectiva manicomial. Além disso, contraria todas as deliberações da 5a Conferência Nacional de Saúde Mental. Não podemos deixar de denunciar que o Congresso Nacional estará desconsiderando o que usuárias, trabalhadoras e gestoras deliberaram no maior espaço do controle social da política de saúde mental.”

O presidente do SinPsi, Rogério Giannini complementa: “A publicação da Resolução do CNJ, 487 / fev. 2023, que estabeleceu uma política antimanicomial no âmbito do poder judiciário, criando condições para o efetivo cumprimento da Convenção Internacional Sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, foi saudada como um enorme avanço pelos setores progressistas, defensores dos direitos humanos e da saúde mental antimanicomial. A reação dos setores reacionários do parlamento brasileiro têm sido a de tentar derrubar a resolução, mas também a de tentar enfraquecer a reforma Psiquiátrica organizada na lei 10 216 / 2001, reintroduzindo o manicômio e ampliando as possibilidades de internação compulsória. A resolução do CNJ estabelece o desmonte do HCTPs (hospitais de custódia/manicômios judiciários). E o que dizem reacionários?  Passam a propagar que hordas de loucos perigosos seriam jogados nas ruas. É uma forma desonesta de colar o debate da segurança pública ao da saúde mental. O PL 551/2024 do Dep. Carlos Jordy vai exatamente nessa linha, desfigurando a Lei 10.216/2001, promovendo um enorme retrocesso. Mais uma vez é o uso do terror social como arma de disputa política”.

Esse projeto, que tem o intuito de restabelecer a política manicomial, discricionária e retrógrada, merece todo o repúdio do Sindicato, da categoria e da sociedade democrática. A direção do SinPsi exalta os\as parlamentares a votarem contra esse Projeto de Lei.

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