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‘A burguesia brasileira jamais admitiu a CLT’, diz professor da USP

Ruy Braga, especialista em sociologia do trabalho, diz que “modernização” das leis trabalhistas proposta por Temer é parte de “ofensiva patronal” e vai aprofundar a crise

No mesmo dia em que assumiu definitivamente a Presidência da República, Michel Temer (PMDB) fez pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV para defender uma proposta de “modernização” da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) que, segundo ele, vai garantir a manutenção do emprego e a geração de novos postos de trabalho.

Para Ruy Braga, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em sociologia do trabalho, o discurso de Temer é uma “falácia”. De acordo com Braga, o ataque aos direitos trabalhistas é a via que o empresariado brasileiro encontrou para preservar seus lucros em um cenário de grave crise econômica.

Sem poupar críticas às gestões petistas, o professor diz que medidas que ferem os direitos dos trabalhadores serão estimuladas pelo novo governo. “Temos uma ofensiva patronal com reflexo no parlamento e que conta, agora, com um poderoso aliado no Palácio do Planalto”, afirma Braga, autor de livros como A Política do Precariado. “O impeachment não foi um golpe contra a democracia no sentido abstrato. Foi um golpe contra os direitos dos trabalhadores.”

Em seu primeiro pronunciamento pós-impeachment, Michel Temer disse ser preciso “modernizar a legislação trabalhista” e que “a livre negociação é um avanço” na relação entre trabalhador e empresa. É isso mesmo?

Tendo em vista o contexto econômico e político brasileiro, existe hoje uma pressão muito forte nos meios empresariais, que se reflete no parlamento, para articular, através do governo, uma ofensiva contra os interesses dos trabalhadores.

Essa ofensiva se organiza em três frentes: o princípio do negociado sobre o legislado, a terceirização e a flexibilização do trabalho e da jornada. Sempre que ocorre uma desaceleração econômica ou a elevação mais ou menos abrupta da taxa de desemprego, o meio empresarial credita automaticamente a crise à rigidez da CLT, que seria de alguma forma superada com a prevalência do negociado sobre o legislado.

Toda vez que se fala em reforma da CLT essa questão vem à tona, porque esta é uma lei que prevê a proteção trabalhista enfatizando a participação do sindicato. É uma ameaça permanente. A CLT tem sido constantemente reformada, e a primeira grande reforma foi exatamente após o golpe de 1964, quando os militares aprovaram a regra que instituiu o Fundo de Garantia [do Tempo de Serviço, FGTS] e acabaram com a estabilidade no emprego.

E de onde vem essa ânsia?

A burguesia brasileira jamais admitiu a CLT. Não como lei, pois parte substantiva do empresariado simplesmente a ignora. O que a burguesia não assume, o que os setores empresariais não suportam é a CLT como princípio, a ideia de que o trabalhador brasileiro tem no horizonte uma proteção social efetivamente definida pelo Estado e reconhecida como um campo legítimo de afirmação. É isso que não se admite.

Então eles querem reformar a CLT, e uma reforma importante seria justamente essa. A prevalência do negociado sobre o legislado favorece o empresário na medida em que são poucas as categorias com um processo de negociação coletiva consolidado. E o número de categorias que têm um processo de negociação coletiva consolidado com representação sindical forte é ainda menor.

Essa mudança colocaria a esmagadora maioria dos trabalhadores brasileiros praticamente fora da CLT, pois tudo passaria a ser negociado: quando não há negociação coletiva, o que prevalece é a legislação vigente, ou seja, é a CLT; quando se chega à Justiça do Trabalho, o que prevalece é a CLT. Esse é o ponto. A proposta é subverter essa lógica. Nada será efetivamente legislado e tudo passará a ser objeto de puro arbítrio dos setores empresariais.

Confira a íntegra da entrevista no site da CartaCapital.

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