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Álcool e outras drogas: para ONU, internação compulsória deve ser considerada tortura

O relator especial da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre tortura, Juan. E. Méndez, apresentou ao Conselho de Direitos Humanos um relatório que propõe um debate internacional sobre os abusos em cuidados de saúde. Segundo ele, tais abusos podem ultrapassar o limiar de maus tratos e assim, tornarem-se equivalentes à tortura ou a tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Por isso, alegou que os chamados centros de tratamento de drogas ou centros de ‘reeducação através do trabalho’ podem se tornar locais para a prática da tortura e de maus-tratos, além de serem em muitos casos, instituições controladas por forças militares ou paramilitares, forças policiais ou de segurança, ou ainda empresas privadas.

“É comum a internação compulsória de usuários de drogas em supostos centros de reabilitação. Em alguns países, há relatos de que uma vasta gama de outros grupos marginalizados, incluindo crianças de rua, pessoas com deficiência psicossocial, profissionais do sexo, pessoas desabrigadas e pacientes com tuberculose, sejam detidos nesses centros”, afirmou Méndez.

Em 2011, Comissão Nacional de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia (CFP) em conjunto com o Sistema Conselhos de Psicologia, organizou a 4ª Inspeção Nacional de Direitos Humanos: locais de internação para usuários de drogas. O Relatório traz o resultado de vistorias em 68 instituições de internação para usuários de drogas, em 24 estados brasileiros e no Distrito Federal. Foram encontradas diversas violações aos direitos humanos nestes locais. Trabalho forçado, violência, condições precárias de higiene e constrangimentos foram algumas das práticas destas instituições. Confira a íntegra do Relatório. 

Leia abaixo outros trechos do relatório de Juan. E. Méndez, que traz um entendimento novo dos abusos contra os pacientes e indivíduos sob supervisão médica:

Violações dos direitos reprodutivos

“Os exemplos de tais violações incluem o tratamento abusivo e humilhação em contextos institucionais de esterilização involuntária; negação de serviços de saúde legalmente disponíveis, como aborto e pós-aborto; esterilizações e abortos forçados; mutilação genital feminina; violações de sigilo e confidencialidade médica em contextos de saúde, como denúncias de mulheres feitas por pessoal médico quando uma evidência de aborto ilegal é encontrada; e a prática de tentar obter confissões como condição de potencialmente fornecer tratamento médico para salvar vidas após um aborto.”

Negação de tratamento contra a dor

“Os governos devem garantir medicamentos essenciais – que incluem, entre outros, analgésicos opioides – como parte de suas obrigações mínimas essenciais sob o direito à saúde, bem como tomar medidas para proteger as pessoas sob sua jurisdição de tratamento desumano e degradante.”

Pessoas com deficiência psicossocial

“Abusos graves, como negligência, abuso físico e mental e violência sexual, continuam a ser cometidos contra pessoas com deficiência psicossocial e pessoas com deficiência intelectual em situações de cuidados de saúde.”

“Não pode haver nenhuma justificativa terapêutica para o uso de confinamento solitário e restrição prolongada para pessoas com deficiência em instituições psiquiátricas; tanto a reclusão prolongada quanto a contenção podem constituir tortura e maus-tratos.”

“A institucionalização não consensual, imprópria ou desnecessária de indivíduos pode constituir tortura ou maus-tratos, bem como o uso da força para além do que é estritamente necessário.”

Grupos marginalizados

“Há relatos de pessoas que vivem com HIV/aids sendo recusadas por hospitais, sumariamente exoneradas, tendo acesso negado a serviços médicos a menos que aceitem a esterilização, e tendo recebido atendimento médico tanto de má qualidade quanto degradante e prejudicial para o seu já frágil estado de saúde.”

“Uma forma particular de maus-tratos e possivelmente tortura a usuários de drogas é a negação de tratamento de substituição por opiáceos, inclusive como uma forma de extrair confissões criminosas através da indução de sintomas dolorosos de abstinência.”

“Há uma abundância de relatos e depoimentos de pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e transsexuais tendo tratamento médico negado, sendo submetidas a abuso verbal e humilhação pública, avaliação psiquiátrica, uma variedade de procedimentos tais como a esterilização forçada, exames anais forçados patrocinados pelo Estado para confirmar suspeitas de atividades homossexuais, e exames de virgindade invasivos realizados por profissionais de saúde, terapias hormonais e cirurgias genitais normalizadoras sob o pretexto de chamadas ‘terapias reparativas’.”

“As pessoas com deficiência são particularmente afetadas por intervenções médicas forçadas e continuam a ser expostas a práticas médicas não consensuais. As mulheres que vivem com deficiência, com rótulos psiquiátricos em particular, estão sob risco de múltiplas formas de discriminação e abuso em cuidados de saúde.”

Para o relator especial, o significado de categorizar os abusos em tratamentos de saúde como a tortura e maus-tratos, assim como examinar estes abusos a partir de uma ótica de proteção à tortura, “oferece a oportunidade para solidificar o entendimento dessas violações e destacar as obrigações positivas que os Estados têm de prevenir, reprimir e corrigir tais violações”.

O relatório será discutido em um evento paralelo sobre “Prevenção a tortura e maus-tratos em cuidados de saúde”.

Acesse aqui o relatório na íntegra, em Inglês.

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