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‘Canção da Volta’ versa sobre a angustiante incapacidade de alcançar o outro por completo

Canção da Volta é um filme corajoso. Tem a sensibilidade de tratar de questões delicadas e ser, ao mesmo tempo, intenso e minimalista, mergulhando numa intimidade que passa a ter o espectador como cúmplice desde o primeiro minuto. É também um dos melhores filmes nacionais do ano.

A trama acompanha o casal Eduardo (João Miguel) e Julia (Marina Person), em um momento crítico da relação. Ele chega em casa tarde da noite e, sem notícias da mulher, ronda a cidade em busca dela, num clima de tensão crescente. Prenúncio do tom que será predominante nos minutos seguidos, sustentados por uma fotografia escurecida, pois estamos entrando no território das sombras, as facetas normalmente menos expostas publicamente e igualmente menos lisonjeiras de nossas personalidades individuais.

Sabemos, alguns instantes depois, que Julia tentou o suicídio. O ato coloca um elefante colossal no centro da sala de estar da família, já que ninguém sabe ao certo como agir em relação ao assunto, que, para complicar, afeta diretamente os filhos do casal, especialmente o mais velho (interpretado por Francisco Miguez).

Gustavo Rosa de Moura, em seu primeiro longa de ficção, toma a decisão menos óbvia ao focar sua atenção em Eduardo e desconstruir pouco a pouco a figura do parceiro equilibrado que parecia contrabalancear as perturbações de Julia.

Pelo contrário. Canção da Volta é o retrato de um homem que não aceita a impossibilidade natural de entender por completo o funcionamento da psique de sua companheira. Maníaco por controle, ele sai dos eixos à medida que se vê impotente diante da depressão da mulher, a ponto de deixar escapar atitudes extremamente abusivas quando baixa a guarda, que vão da invasão de objetos pessoais à agressão física.

Moura joga então com as visões pré-concebidas: afinal, quem é o mais desequilibrado aqui? Enquanto Eduardo entra nessa espiral de comportamento destrutivo, Julia tenta levar sua vida normal, tendo até lapsos de felicidade, o que à certa altura soa para ele até como uma afronta. Numa das cenas mais fortes do filme, o personagem de João Miguel faz uma espécie de inspeção no corpo adormecido de sua esposa, como se quisesse ver o que há dentro dela.

Há de se destacar também as atuações de João Miguel e, principalmente de Marina Person, que segura com brilho uma personagem cheia de nuances e nunca resumida a mera refém de sua condição fragilizada – o que em tempo de discussão sobre como mulheres são retratadas no cinema, é sempre um alívio.

No final das contas, Canção da Volta não é apenas desesperança. É, também e essencialmente, uma homenagem à resistência do amor mesmo nos cenários mais arrasadores. Como eles alcançam esta redenção? Só vendo o filme para saber, e sentir.

Clique aqui para ver o trailer.

’CANÇÃO DA VOLTA’ NA 40ª MOSTRA

Quinta-feira (27/10) às 21h40 no Cine Caixa Belas Artes
Sábado (29/10) às 15h30 no Espaço Itaú Frei Caneca 3
Terça-feira (1º/11) às 19h50 no Espaço Itaú Frei Caneca 2 

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