As medidas tomadas pelas autoridades para tentar conter a onda de violência promovida por facções criminosas no Maranhão – que já causou a morte de mais de 60 detentos desde 2013 e de uma menina de seis anos durante um ataque a ônibus neste ano – devem ter apenas efeitos paliativos, segundo ativistas de direitos humanos, sindicalistas e policiais ouvidos pela BBC Brasil.
Entre as medidas estão a possível transferência de líderes das facções para presídios federais – que pode ser realizada ainda nesta semana – e o controle de unidades prisionais do Estado pela Polícia Militar.
Porém, de acordo com os analistas, a solução do problema deve incluir a construção de presídios menores e a separação das facções em diferentes unidades prisionais, além da punição dos responsáveis pelos crimes cometidos.
A governadora Roseana Sarney (PMDB) afirmou em discurso nesta semana que os responsáveis por atentados contra ônibus e bases da polícia foram presos em 36 horas e que sua administração tem planos para investir “mais de R$ 130 milhões na construção de novos presídios, equipamentos, melhoria e manutenção das unidades existentes”.
“A transferência (de líderes de facções para presídios federais) é uma forma emergencial de enfrentar a questão”, disse Joisiane Gamba, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos. Segundo ela, a medida em si não deve resolver o problema se questões como a superlotação e a punição dos responsáveis pelos crimes não forem resolvidos.
Ela defende também que a investigação sobre os crimes no sistema prisional do Maranhão seja assumida pela Polícia Federal.
Agravar o problema
O presidente do Sinpol-MA (Sindicato dos Policiais Civis), Heleudo Albino Moreira, e o vice-presidente do Sindspem, César Castro Lopes, que representa os agentes penitenciários, afirmaram à BBC Brasil que as transferências para presídios federais podem até agravar o problema.
Eles temem que os presos transferidos entrem em contato com detentos de outras facções do país e “aprendam” novas técnicas de organização e táticas para cometer crimes – voltando mais tarde ao Maranhão para “ensinar” o que aprenderam.
De acordo com Gamba e com Lopes, tanto as transferências para presídios federais como o emprego da Polícia Militar dentro dos presídios não resolvem os problemas estruturais do sistema prisional, que precisa de melhorias em longo prazo.
“O sistema está sucateado por falta de investimento”, disse Lopes.
Segundo os dados mais recentes do Ministério da Justiça (de dezembro de 2012), o sistema carcerário maranhense tinha capacidade para abrigar cerca de 2.200 detentos, mas sua lotação passava de 5.400.
Para a presidenta da Federação Nacional dos Psicólogos (FenaPSI), dirigente do SinPsi e psicóloga atuante no sistema prisional de São Paulo, Fernanda Magano, os fatores causadores da crise no presídio maranhense são diversos.
“Um deles é a superlotação, outro é o fato de a gestão do governo ter terceirizado o sistema prisional. Nesse caso específico do Maranhão, temos o crime organizado se fazendo muito presente, representado pelo Primeiro Comando do Maranhão, o PCM – braço do PCC”, avalia.
Luta de facções
Segundo agentes prisionais e policiais maranhenses ouvidos pela BBC Brasil, a onda de violência é resultado de uma luta pelo poder entre duas das cinco facções criminosas que atuam nos presídios do Estado, o PCM e o Bonde dos 40.
Segundo um relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a formação dessas facções se deve à acomodação tanto de presos do interior como da capital do Maranhão no complexo prisional de Pedrinhas, em São Luís.
O primeiro desses grupos, o PCM, foi criado em meados de 2002 por detentos do interior para se proteger contra abusos dos presos da capital. Eles afirmariam ter mais direito de estar lá do que prisioneiros que cometeram seus crimes em cidades localizadas a até 800 quilômetros de São Luís.
Eles teriam recebido influência e copiado aspectos da organização da facção PCC (Primeiro Comando da Capital), que domina os presídios de São Paulo. Iniciaram também no Maranhão a prática de decapitar seus oponentes, como forma de intimidar rivais.
Há cerca de dois anos, os detentos de São Luís organizaram seu próprio grupo criminoso, o Bonde dos 40, caracterizado por ações de extrema violência e por possuir “soldados” livres atuando nas ruas da capital.
As duas facções vêm protagonizando desde então inúmeros episódios de violência nos presídios do Estado.
Desde 2007, mais de 150 detentos morreram nos conflitos, segundo dados da Anistia Internacional. Um dos episódios mais violentos ocorreu em 2010, quando 18 presos foram mortos em uma única rebelião e três deles acabaram sendo decapitados.
Crise
Só em 2013, os conflitos resultaram nas mortes de 60 detentos. Mas a crise ganhou as manchetes do resto do país em outubro, quando uma rebelião no local deixou nove mortos no complexo prisional de Pedrinhas.
O conflito se intensificou gerando novo motim em novembro, quando três detentos foram decapitados. A escalada da violência fez o CNJ – que já vinha pressionando o Estado a fazer mudanças no sistema prisional – a elaborar um relatório em dezembro.
O documento concluía que as unidades do complexo “estão superlotadas e já não há mais condições de manter a integridade física dos presos, seus familiares e de quem mais frequente os presídios de Pedrinhas”.
Para Fernanda, isso reflete uma forma equivocada de lidar com o crime.
“Esta lógica de leis mais severas e encarceramento massivo é do campo do Direito Penal Repressivo, que prioriza uma ação de opressão, não constrói políticas de prevenção em principalmente, não avalia que os efeitos atuais da criminalidade são resultados de anos de descaso com as políticas públicas”, afirma a psicóloga prisional, citando uma frase de Vitor Hugo, para reflexão: “Quem abre uma escola fecha uma prisão.”
Ao mesmo tempo, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) recomendou medidas ao Brasil, entre elas garantir a segurança em Pedrinhas, reduzir a superlotação prisional e investigar os assassinatos.
Os presídios de São Luís foram então ocupados no fim do ano passado por homens da Força Nacional e do Batalhão de Choque da PM.
A medida teria irritado líderes de facções, que teriam sido flagrados em escutas telefônicas ordenando ataques a ônibus, policiais e bombeiros nas ruas da capital como retaliação.
Uma menina de seis anos de idade sofreu queimaduras por todo o corpo e morreu, quando um dos coletivos foi incendiado. Quatro pessoas ficaram feridas. Uma base e um carro da polícia foram alvo de tiros.
Nesta semana, o governo federal ofereceu 25 vagas em presídios federais para transferências de líderes de facções. A Anistia Internacional divulgou nota demonstrando preocupação com a situação em Pedrinhas e recomendando ao Brasil que implemente as medidas sugeridas pela OEA.
Outra política
Segundo a dirigente do SinPsi, o sistema penitenciário precisa, primeiramente, de uma política que seja anterior ao cárcere, com investimento nas políticas públicas de Assistência Social, Educação, Saúde, Moradia, Empregos, Lazer e Cultura. Para de fato ser evitada a entrada no sistema penal.
“O enfrentamento da criminalidade deve ser uma ação que envolva a questão da pena de prisão, mecanismo do Direito Penal Repressivo em menor escala, só para os crimes mais graves, e investir de fato no Direito Penal Mínimo com todo seu sistema de penas alternativas”, considera Fernanda Magano.