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Fiocruz consegue divulgar pesquisa sobre o consumo de drogas no Brasil

Levantamento ouviu cerca de 17 mil pessoas sobre o uso, abuso e dependência de álcool, tabaco, cocaína, barbitúricos e ayahuasca.

Entre maio e outubro de 2015, pesquisadores entrevistaram cerca de 17 mil pessoas com idades entre 12 e 65 anos, em todo o Brasil, com o objetivo de estimar e avaliar os parâmetros epidemiológicos do uso de drogas. O 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira foi coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e contou com a parceria de várias outras instituições, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Instituto Nacional de Câncer (Inca) e a Universidade de Princeton, nos EUA.

A divulgação da pesquisa científica destinada à realização do 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira é o primeiro resultado de entendimentos iniciais entre a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça e Segurança Pública e a Fiocruz, no âmbito da Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Pública Federal, órgão da Advocacia-Geral da União. O acordo preliminar para a divulgação do estudo prevê que os conteúdos do relatório final da pesquisa, do sumário executivo e dos suplementos produzidos pela Fiocruz sejam disponibilizados à sociedade por meio da plataforma Arca, mantida pela Fiocruz na internet. Para mais informações, clique no link.

Este é o mais completo levantamento sobre drogas já realizados em território nacional. É a primeira vez que um inquérito sobre o uso de drogas no país consegue alcançar abrangência nacional, sendo representativo inclusive de municípios de pequeno porte e de zonas de fronteira, por exemplo.

Os entrevistados responderam a questões quanto ao uso, o abuso e a dependência de numerosas substâncias: tabaco, álcool, cocaína, maconha, crack, solventes, heroína, ecstasy, tranquilizantes benzodiazepínicos, esteroides anabolizantes, sedativos barbitúricos, estimulantes anfetamínicos, analgésicos opiáceos, anticolinérgicos, LSD, quetamina, chá de ayahuasca e drogas injetáveis. Outros questionamentos tinham relação com violência (perpetrada ou sofrida), a percepção sobre o risco do uso de drogas e a opinião dos entrevistados sobre políticas públicas para a área. Além disso, eles responderam a perguntas gerais sobre saúde e a informações sóciodemográficas.

Para ser representativo da população brasileira de 12 a 65 anos, o 3º Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas definiu seu plano amostral a partir de critérios metodológicos semelhantes aos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE. “Há um enorme desafio em realizar uma pesquisa como esta, que busque ser representativa da população brasileira. O Brasil não é apenas muito heterogêneo, como também conta com regiões muito pobres, territórios de população esparsa e dificuldade de acesso”, explica o coordenador do levantamento e pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict/Fiocruz), Francisco Inácio Bastos.

Maconha é a droga ilícita mais consumida
Os dados obtidos pelo 3° Levantamento estão disponíveis no Repositório Institucional da Fiocruz (Arca), em acesso aberto. Os resultados revelam, por exemplo, que 3,2% dos brasileiros usaram substâncias ilícitas nos 12 meses anteriores à pesquisa, o que equivale a 4,9 milhões de pessoas. Esse percentual é muito maior entre os homens: 5% (entre as mulheres fica em 1,5%). E também entre os jovens: 7,4% das pessoas entre 18 e 24 anos haviam consumido drogas ilegais no ano anterior à entrevista.

A substância ilícita mais consumida no Brasil é a maconha: 7,7% dos brasileiros de 12 a 65 anos já a usaram ao menos uma vez na vida. Em segundo lugar, fica a cocaína em pó: 3,1% já consumiram a substância. Nos 30 dias anteriores à pesquisa, 0,3% dos entrevistados afirmaram ter feito uso da droga.

Aproximadamente 1,4 milhão de pessoas entre 12 e 65 anos relataram ter feito uso de crack e similares alguma vez na vida, o que corresponde a 0,9% da população de pesquisa, com um diferencial pronunciado entre homens (1,4%) e mulheres (0,4%). Nos 12 meses anteriores ao levantamento, o uso dessa droga foi reportado por 0,3% da população. O relatório da pesquisa destaca, porém, que esses resultados devem ser observados com cautela, uma vez que o inquérito domiciliar não é capaz de captar as pessoas que são usuárias e não se encontram regularmente domiciliadas ou estão em situações especiais, como por exemplo vivendo em abrigos ou em presídios.

“Com relação ao crack, os números do levantamento são importantes justamente por revelar uma discrepância”, explica Inácio Bastos. “O percentual que encontramos no 3° Levantamento é inferior ao que aparece na Pesquisa Nacional do Uso do Crack [Fiocruz, 2013]. Isso porque nosso levantamento foi domiciliar. Mas os usuários de crack compõem uma população majoritariamente marginalizada, que vive em situação de rua. Desse modo, importante reforçar que o levantamento corrobora o grave problema de saúde pública que é o uso de crack no Brasil. Mas faz isso justamente por mostrar, a partir da visibilidade diminuta dentro dos lares, que o consumo dessa substância no país é um fenômeno do espaço público”.

Medicamentos sem prescrição
Outro dado destacado pelos pesquisadores diz respeito ao uso dos analgésicos opiáceos e dos tranquilizantes benzodiazepínicos. Nos 30 dias anteriores à pesquisa eles foram consumidos de forma não prescrita, ou de modo diferente àquele recomendado pela prescrição médica, por nada menos que 0,6% e 0,4% da população brasileira, respectivamente. “É um número que revela um padrão muito preocupante, e que faz lembrar o problema norte-americano de uma década atrás, em termos de classe de substâncias”, alerta o coordenador do levantamento.

Com relação às drogas lícitas, uma boa notícia: o consumo do tabaco parece estar diminuindo. “Outras pesquisas têm mostrado que há um declínio com relação ao uso do cigarro convencional. Por outro lado, têm chamado atenção para formas emergentes de fumo, com a ascensão de aparatos como cigarros eletrônicos e narguilés”, argumenta Bastos. Ainda assim, cerca de um terço (33,5%) dos brasileiros declarou ter fumado cigarro industrializado pelo menos uma vez na vida. E, nos 30 dias anteriores à pesquisa, foram 13,6%, o que corresponde a 20,8 milhões de pessoas.

Álcool
Grande parte dos dados considerados mais alarmantes com relação aos padrões de uso de drogas no Brasil não estão relacionados porém às substâncias ilícitas, e sim ao álcool. Mais da metade da população brasileira de 12 a 65 anos declarou ter consumido bebida alcóolica alguma vez na vida. Cerca de 46 milhões (30,1%) informaram ter consumido pelo menos uma dose nos 30 dias anteriores. E aproximadamente 2,3 milhões de pessoas apresentaram critérios para dependência de álcool nos 12 meses anteriores à pesquisa.

A relação entre álcool e diferentes formas de violência também foi abordada pelo 3° Levantamento, apresentando um panorama contundente. Aproximadamente 14% dos homens brasileiros de 12 a 65 anos dirigiram após consumir bebida alcoólica, nos 12 meses anteriores à entrevista. Já entre as mulheres esta estimativa foi de 1,8%. A percentagem de pessoas que estiveram envolvidos em acidentes de trânsito enquanto estavam sob o efeito de álcool foi de 0,7%.

Cerca de 4,4 milhões de pessoas reportaram ter discutido com alguém sob efeito de álcool nos 12 meses anteriores à entrevista, sendo que destes 2,9 milhões eram homens e 1,5 milhões, mulheres. A prevalência de ter reportado que “destruiu ou quebrou algo que não era seu” sob efeito de álcool também foi estaticamente significativa e maior entre homens do que entre mulheres (1,1% e 0,3%, respectivamente).

Risco de morte
A percepção do brasileiro quanto às drogas atrela mais risco ao uso do crack do que ao álcool: 44,5% acham que o primeiro é a droga associada ao maior número de mortes no país, enquanto apenas 26,7% colocariam o álcool no topo do ranking. “Mas os principais estudos sobre o tema, como a pesquisa de cargas de doenças da Organização Mundial de Saúde, não deixam dúvidas: o álcool é a substância mais associada, direta ou indiretamente, a danos à saúde que levam à morte”, pondera Bastos. “Tanto o álcool quanto o crack, porém, representam grandes desafios à saúde pública. Os jovens brasileiros estão consumindo drogas com mais potencial de provocar danos e riscos, como o próprio crack. Além disso, há uma tendência ao poliuso [uso simultâneo de drogas diferentes]. Por isso é tão importante atualizar os dados epidemiológicos disponíveis no país, para responder às perguntas de um tema como o consumo de drogas, que se torna ainda mais complexo num país tão heterogêneo quanto o Brasil”, completa.

O 3° Levantamento Nacional sobre o Uso de Drogas pela População Brasileira teve sua origem numa concorrência pública lançada em 2014 pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), do Ministério da Justiça e Segurança Pública.

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