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I Forum de Direitos Humanos e Saúde Mental tem mesa sobre Medicalização

Um dos marcos do I Fórum Brasileiro de Direitos Humanos e Saúde Mental foi a diversidade temática. Uma das conferências em que esta escolha melhor se expressou foi no eixo temático da medicalização, na qual foi tratada a temática das drogas, tanto as ilícitas quanto as lícitas altamente estimuladas pelo mercado e que contou ainda com a emocionante apresentação do livro Holocausto Brasileiro, que traz a história do Hospital Colônia de Barbacena (MG).

Na mesa, Sidarta Ribeiro, diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Rogério Giannini, presidente do Sindicato dos Psicólogos de São Paulo (Sinpsi) e Daniela Arbex, jornalista e autora do livro-denúncia, apresentaram suas comunicações com franqueza, visão crítica e riqueza de informações.  Coordenada pelo professor Fernando Freitas (Abrasme), houve ainda a leitura da comunicação do americano Robert Whitaker, que por conta de imprevistos não pode estar presente ao evento.

O pesquisador Sidarta Ribeiro (foto) declarou seu posicionamento em prol da legalização das drogas e frisou que esta postura exige, antes de qualquer ato, a compreensão crítica das diversas inter-relações entre consumo, grupo de risco e pressão social. “O fato de oferecer riscos para alguns não quer dizer que se deva proibir, mas sim esclarecer aos consumidores que podem existir essas reações, algo que não acontece no âmbito da proibição”, disse Sidarta.

É a falta de estudos que proporciona, segundo o pesquisador, o rebaixamento no debate sobre os efeitos da maconha em quadros de esquizofrenia e/ou depressão. “Fica difícil saber se há decorrência de efeitos por parte de uma excessiva automedicação ou se é derivado, ou seja, provocado pelo seu consumo”, completou Sidarta, destacando estudos que demonstram variações com alto nível de tetrahidrocanabinol (THC) com qualidades antidepressivas, enquanto grandes concentrações de canabidiol (CBD) podem piorar o quadro clínico.

 Junto aos problemas psíquicos, o pesquisador lembrou que é impossível separar os contextos negativos das substâncias dos cenários de perseguição e violência que os consumidores são colocados na sociedade. “O ‘liberou geral’ é o que temos de evitar e é justamente o que acontece com a proibição”, reforçou Sidarta, que defende um tratamento isonômico, legalização de comércio e regulamentação sobre todas as drogas. “Quando a cannabis for legalizada, vai cair o consumo do rivotril e tantas outras drogas, mexendo e atingindo as associações com tráfico de armas e as vantagens da indústria farmacêutica”.

Na sequência, o psicólogo Rogério Giannini, Presidente do SinPsi (foto) trouxe a discussão sobre o explosivo uso do metilfenidato e dos diagnósticos de transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). “Vemos em todas as esferas da sociedade, transformação de questões não-médicas em médicas e de questões coletivas como individuais. Isso é fruto de uma agressiva pauta medicalizante e patologizante, que transforma a diversidade da vida em uma série de síndromes e doenças, o que é diferente vira fonte de novas classificações.”

Segundo Giannini, a gravidade do caso foi alertado pela própria Anvisa, que apontou o aumento do consumo de ritalina em 75% entre 2009 e 2011. Em São Paulo de 2005 a 2011, levantamento em mais de 200 municípios constatou o aumento da dispensação de Ritalina de cerca de 46 mil para 1,2 milhão de unidades. “O grave no TDAH é que o diagnóstio é feito a partir de um “teste”, o SNA 4, que é muito impreciso, mas o fechamento do diagnóstico é feito considerando-se as dificuldades escolares. Ora, as escolas enaminham os alunos “problema” que testados, apresentam TDAH. Ao fim, é uma política de medicalização paga pelo SUS, que tem a Ritalina um de seus medicamentos de distribuição gratuita. Com a pressão das escolas multiplica-se os diagnósticos e a medicação. Proponho que o fenômeno a ser investigado e cuidado seja a qualidade do ensino e não os alunos com “problema”. 

Para o psicólogo, o problema do TDAH é ainda mais complexo por ser apresentado pela DSM-4 como uma doença genética e ao mesmo tempo sustentada pela sociedade de controle, seja pelo discurso do fracasso escolar, da conformação contemporânea da família e pelas pressões do mundo do trabalho. “É um interesse para muitos transformar diversidade e diferença em um conjunto de patologias que devem ser estudadas e catalogadas. As grandes indústrias estão patrocinando programas de treinamento para médicos e professores para a diagnose do TDAH. São processos de subjetivação regulados por práticas higienistas de isolamento e de controle”, ressaltou.


Após a leitura da comunicação de Robert Whitaker, jornalista que estuda a medicalização da sociedade norte-americana, foi a vez de Daniela Arbex (em pé, na foto) trazer o levantamento histórico feito para a série de reportagens sobre o Hospital Colônia de Barbacena (MG) e que acaba de ganhar o formato de livro com o lançamento de Holocausto Brasileiro

Ao longo de quase 80 anos, mais de 60 mil pessoas perderam suas vidas nas dependências do hospital, que se transformou no destino de pobres, rejeitados sociais e presos políticos no período da ditadura militar. “Foram milhares de vidas transformadas e destruídas, a maioria sem nenhum transtorno mental. Meu trabalho foi recolher essas histórias para que não fossem esquecidas”, disse Daniela, numa apresentação de cerca de uma hora que emocionou a todos.

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