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Marcelo Rubens Paiva: ‘Caímos no mesmo golpe há 500 anos’

“Num país como o nosso, com tantas desigualdades, com tantas questões que nunca se encerram, é muito injusto o artista se ausentar dos problemas brasileiros”, diz o jornalista e escritor Marcelo Rubens Paiva, refletindo sobre o papel do artista no cenário político. Sobre essas questões, ele afirma que o Brasil vive de ciclos que nunca se fecham, sendo o último caso o governo interrompido de Dilma Rousseff. “Caímos no mesmo golpe há 500 anos”, afirma.

Na manhã desta terça-feira (18), em debate na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco, centro da capital paulista, Marcelo Rubens Paiva tratou das estruturas de poder e dominação que sempre se impõem ao final de cada um desses ciclos inconclusos, da tradição autoritária, desigualdade, da luta de classes que se apresenta nos mais diversos espaços, da corrupção e seus impactos na mobilidade de um cadeirante. Mesmo tendo votado em Aécio Neves (PSDB) em 2014 e de se autodenominar crítico da gestão anterior, ele deixou clara sua discordância “com a forma em que o Brasil está sendo reorganizado”, em referência ao governo Temer – do qual recusou receber, na semana passada, a Ordem do Mérito Cultural, honraria oferecida pelo Ministério da Cultura, e que seria entregue pelo presidente. “Não me sentiria fisicamente confortável com o Temer, junto àqueles caras, colocando um negócio no meu pescoço.”

Colunista do jornal O Estado de S. Paulo, o escritor também não se furtou a criticar o conjunto da mídia durante o processo de impeachment, que na sua concepção ocorreu de forma “tudo muito igual à 1964”. Ele se pergunta se a imprensa nada aprendeu com o governo Collor, alçado ao poder e depois dele apinhado pelos grupos que conformam a opinião pública, assim também como na ditadura civil-militar, que obrigou jornais a pedir desculpas décadas depois. “Quando vão pedir desculpas pelo que aconteceu agora?”

Comparando a Operação Lava Jato com a congênere italiana, a Operação Mãos Limpas, que buscou desmantelar as relações de corrupção que ligavam a máfia e os partidos, Marcelo destacou que aqui, como lá, o discurso da antipolítica toma conta, mas acredita que o fenômeno não deve tomar a dimensão de um Silvio Berlusconi (magnata da mídia, ex-presidente da Itália). “Aqui, a Lava Jato produziu um Doria, até o momento”, afirmou em alusão ao prefeito eleito em São Paulo, João Doria (PSDB), que surfou no discurso da antipolítica, se intitulando como um gestor.

Para o escritor, a Lava Jato também corre o risco de incorrer na lógica do ciclo incompleto, pois, de maneira seletiva, aquilo que poderia ser um divisor de águas no combate à corrupção no país virou uma máquina que quer destruir um partido, um projeto político e suas lideranças. “A sociedade civil se engana muito facilmente”, diz, se referindo tanto aos esforços para promover o engano, a partir da cobertura distorcida da mídia, como a um esforço individual, de auto-engano, que quer fazer acreditar que todas as mazelas terminaram com o fim do governo do PT.

“Estou sendo radical, porque é preciso nesse momento”, justifica. Como cadeirante, o escritor se enfurece com a corrupção, por exemplo, quando não encontra uma rampa de acesso em bares e restaurantes, ou ainda a falta de banheiros adaptados, como determinado por lei. Ele sabe que essa realidade só existe provavelmente por causa de suborno concedido a algum fiscal para que não enxergasse aquela situação.

Diálogos

Também esteve presente no debate Humberto Campana, artista plástico que, junto com seu irmão Fernando, compõe uma dupla reconhecida, no Brasil e no exterior, por incorporar materiais rústicos e de reúso, como palha, bambu, ralos, mangueiras ou plástico-bolha no design de móveis.

Para ele, o design é ferramenta que serve para democratizar o conforto e a beleza. Ele também desenvolve projeto social com mulheres de presos, na Favela do Moinho, em São Paulo, que costuram materiais incorporados às suas obras. Segundo Humberto, é esse “trabalho de formiguinha” a sua principal contribuição para o país em momentos de turbulência.

Aberto hoje, o ciclo Diálogos Brasileiros é iniciativa do professor de Direito Econômico Alessandro Octaviani. Durante à tarde, o evento debate o papel dos intérpretes do Brasil, e, à noite, o papel das instituições, com a presença da empresária Luiza Trajano (Magazine Luiza), Jean Claude Obry, médico e filósofo, autor dos livros Brasil Meu Amor e Projeto JK, e o pré-candidato à presidência Ciro Gomes (PDT).

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