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Militância fecha a Av. Paulista e queima camisa de força em ato contra Valencius

Mais um dia 18, mais um dia de ato da Frente Antimanicomial. Nesta segunda-feira, 18 de janeiro, profissionais e usuários de serviços de saúde mental, familiares e militantes da Luta Antimanicomial se reuniram na Av. Paulista para gritar, pela segunda vez, “Fora, Valencius!”

O ato começou com concentração no vão livre do Masp e depois caminhou pela Av. Paulista, parando em frente ao prédio do gabinete regional da Presidência da República.

Além da Frente, o Fórum de Saúde Mental do ABC e trabalhadores de CAPs de diversas cidades participaram da mobilização. Durante a concentração, o vão livre do Masp foi tomado pelo grupo cultural Cordão Bibitantã, o BatuCAPs e militância da Luta Antimanicomial

Para o psicanalista e defensor da luta Antônio Lancetti, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, parece ter subestimado a força do movimento, com a nomeação do psiquiatra Valencius. Lancetti disse acreditar na originalidade da mobilização.

“O ministro não sabe que a saúde mental é progressista desde a época da ditadura? Que nunca houve um coordenador manicomial nessa pasta? O ato reúne as propriedades de movimentos organizados, como o dos sindicatos, e tem as características das modernas multidões, pois se espalha pelas redes sociais, agregando cada vez mais jovens. É absolutamente inesperado, como foi inesperado junho de 2013 e como foi inesperado para Alckmin a ocupação nas escolas”, explicou.

Segundo o psicanalista, quanto mais tempo se demorar para tirar o Valencius do cargo mais o movimento vai crescer, por ter todo um potencial para se espalhar.

“O jovem tem necessidade de se expressar, mas não tem um modo de expressão. Atos como esse de hoje permitem que se manifestem por meio da luta maior que o ser humano tem, que é a luta pela liberdade”, afirmou.

A mobilização, que é a segunda desde a nomeação de Valencius, contou com encenação teatral promovida por trabalhadores e usuários do CAPs Juventude Santo Amaro. À frente de pessoas fantasiadas em movimentos coreografados, duas estavam amarradas em camisas de força, enquanto outras duas, com jalecos de médicos, as empurravam e maltratavam. A mística seguiu até o momento em que a multidão parou em frente ao prédio regional da Presidência da República, onde as camisas de força foram retiradas e incendiadas (veja vídeo aqui).

Incomodar

Carol Patrian, psicóloga da Frente Antimanicomial, acredita que a reivindicação pela saída de Valencius ganhou mais visibilidade após o marcante ato nacional que ocorreu em Brasília, dia 14 (saiba mais aqui).

“O ministro chegou a suspender o expediente na quinta e na sexta-feira passadas. Agora estamos também na mídia, o que acaba dando mais força ao movimento, por falar com a população de massa. A proposta é incomodar mesmo! Estamos procurando a agenda do ministro, para mobilizar os estados onde ele estiver”, revelou, antes de comandar os militantes nas músicas do ato (veja Carol aqui, liderando o grito de guerra).

Se incomodar está nos planos, deixar de ser incomodado também. Ninguém melhor que os usuários de serviços de saúde mental para descrever os horrores dos períodos de internação em manicômios. E é o medo desse retrocesso que os leva às ruas, carregando faixas produzidas por eles mesmos.

William José (na foto de camiseta vermelha), usuário do CAPs Ermelino Matarazo há cinco anos, chegou a ficar internado em Araçatuba por quatro meses. Parece pouco tempo, mas foi o suficiente para que William vivenciasse de perto o terror.

“Tinha muita maldade todo dia. Eu ficava amarrado e tomava remédio forte, como o Aldol. Aquilo não era vida, não. No CAPs é muito diferente. Tem um rango bom, tem projetos, eu posso ir embora a hora que bem entender. Lá eu jogo futebol, sou atacante”, contou envaidecido. Mas e o Valencius? “Ah, olha, esse daí é perigoso. Ele vai querer acabar com os CAPs!”, disse.

No Brasil, ainda há cerca de 30 mil leitos disponibilizados em hospitais psiquiátricos. No Eiras de Paracambi, manicômio que foi dirigido por Valencius nos anos 1990, houve maus tratos, tortura e morte. Tanto que o hospital foi fechado por ordem judicial.

A reforma psiquiátrica trouxe a Rede Substitutiva, com serviços que garantam a liberdade e a reintegração social de pessoas como William. 

Coordenadora de Saúde Mental do município de Embu das Artes, a psicóloga Kátia Paiva falou da importância de manter a Rede Substitutiva:

“Precisamos chamar a atenção de toda a população para essa realidade, mostrar o que significa esse retrocesso que pode vir com o Valencius, uma pessoa que não segue qualquer política ou diretriz nacional de toda uma conquista que fizemos até o momento. Somos contra qualquer tipo de manicômio”, afirmou.

Sobre como anda a reforma psiquiátrica em Embu, Kátia sorriu:

Embu é totalmente antimanicomial. Está acontecendo o Abraça RAPs (Rede de Atenção Psicossocial) lá, simultaneamente ao ato daqui. Temos dois CAPs e um centro de convivência em Embu. A RAP de lá é bastante fortalecida, desde 2001. Não temos nenhum manicômio nem comunidade terapêutica. Nosso trabalho é em liberdade”, ressaltou.

No encerramento do ato, uma grande ciranda ocupou o vão livre do Masp, com os militantes cantando “Ai, ai, ai, ai, se empurrar o Valencius cai”.

Reunião

Quando a mobilização parou em, frente ao gabinete da Presidência da República, a Frente Antimanicomial conseguiu que cinco pessoas fossem recebidas por Nilza Fiúza, chefe de gabinete. Dentre elas o presidente do SinPsi, Rogério Giannini, membros da Frente Antimanicomial de SP, usuários e militantes da Luta.

Para Giannini (na foto com Vinícius Saldanha e Moacyr Bertolino), a reunião foi mais uma forma de afirmar que o barulho está sendo ouvido.

“Pedimos que nossa reivindicação chegasse aos secretários da Casa Civil e à Presidência. Fomos bem recebidos, pudemos expor nossa indignação, falamos do histórico do Valencius. A Frente Antimanicomial é bem respeitada nas esferas do governo federal. Parece que só o ministro da Saúde fecha os olhos à importância deste movimento”, frisou.

Velencius Wurch foi nomeado, em dezembro último, coordenador nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas. Com um histórico pró-manicômios, passou a representar forte ameaça a todas as conquistas da Luta Antimanicomial.

Clique aqui para ver reportagem da TVT.

Clique aqui para ver mais fotos do ato.

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