Tribunal de Justiça garante que medida será tomada apenas após esgotadas alternativas de tratamento e compromisso firmado pelo governo do estado não prevê atuação da Polícia Militar
São Paulo – A internação compulsória de dependentes de drogas e álcool na cidade de São Paulo teve início hoje (21), com a promessa de que não haverá abuso de força e de autoridade. A ação, com foco nos usuários de crack que vivem na região da Luz, apelidada de Cracolândia, no centro da capital, desperta atenção devido aos problemas de violência associados à atuação do governo estadual na área, sintetizada pela Operação Sufoco, realizada há pouco mais de um ano no local.
“Nós esperamos que isso não aconteça. Não só o Poder Judiciário. O Ministério Público, a própria OAB e a Defensoria Pública, todos nós estaremos atentos ao resguardo da dignidade da pessoa humana. Principalmente, essa pessoa que vive, desgraçadamente, nesse meio tão complicado”, afirmou o desembargador do Tribunal de Justiça Antônio Carlos Malheiros.
A estrutura de atendimento de saúde continua a mesma, mas uma equipe especial, com dois juízes, um membro do Ministério Público, representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da Defensoria Pública irá atuar permanentemente dentro do Centro de Referência em Álcool, Tabaco e outras Drogas (Cratod), no Bom Retiro. A ação foi oficializada na manhã desta segunda-feira, no Cratod, com a participação da secretária de Justiça, Eloisa Arruda. O secretário de Saúde, Giovanni Guido Cerri, não compareceu, bem como o governador Geraldo Alckmin (PSDB) e o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, apoiador da internação compulsória.
“Todas as tentativas para a internação voluntaria serão tentadas. Existem agentes que estão atuando nas ruas. Pelo estado, a Missão Belém, com mais de 50 ‘abordadores’ sociais, além das equipes de saúde da prefeitura e assistência social tentando as internações voluntárias. Mas há situações em que a pessoa está em estado de drogadicção avançado, muitas delas tendo também comorbidades, ou seja, são dependentes químicas e possuem doenças reflexas como a tuberculose, Aids e a hepatite e há a situação das gravidas e as crianças”, garantiu a secretária de Justiça Eloisa Arruda.
O Cratod já recebe usuários de drogas que buscam voluntariamente tratamento. Segundo as secretarias de Saúde e de Justiça, somente serão encaminhas ao local, para que se abra um processo de internação compulsória, pessoas que estejam correndo risco de morte ou oferecendo perigo a outras pessoas. Ao mesmo tempo, o termo de parceria firmado entre TJ, MP, OAB e Defensoria Pública veta o uso de força policial.
“A mensagem é para as mães. As mães e os pais que têm seus filhos já dominados por essa droga tão terrível que é o crack. O que queremos é que essas pessoas busquem ajuda. Se não for o caso de internação pode ser que essa mãe receba orientação para levar seus filhos para um outro tipo de atendimento”, afirmou a secretária.
Segundo a coordenadora de Saúde Mental, Álcool e Drogas da Secretaria de Saúde, Rosângela Elias, os dependentes serão encaminhados ao Cratod por equipes de resgate, após serem apontados por “abordadores”, grupos formados por profissionais de saúde, assistentes sociais e membros da ONG Missão Belém, ligada à Igreja Católica, ou por meio de denúncia feita por qualquer cidadão. O plantão será diário, das 9h às 13h. Nos demais horários, a decisão pode ser aprovada pelo juiz. Até agora, a tramitação do pedido de internação chegava a demorar meses.
“Nós repudiamos o uso da força policial”, disse o promotor Eduardo Ferreira Valério, coordenador de Direitos Humanos do Ministério Público. “O Ministério Público estará nesse órgão para fiscalizar a aplicação da legislação, garantir os direitos constitucionais do dependente químico, tentar garantir a eficiência do tratamento que vier a ser dispensado aos dependentes e cobrar do estado mecanismos de saúde, a porta de saída, a maneira com que eles possam retornar às suas famílias, às suas vidas depois da internação.”
Atualmente, todo o estado de São Paulo dispõe de 691 leitos para atender dependentes químicos – parte deles pertence à prefeitura da capital. O número é considerado insuficiente para a demanda atual, segundo o promotor Valério, e tende a crescer. Desde que a internação compulsória foi anunciada pelo governador Geraldo Alckmin (PSDB), no último dia 3, no aniversário de um ano da operação que ficou conhecida como “Dor e Sofrimento”, na região da Luz, familiares de dependentes químicos de várias partes da cidade e do estado procuraram por telefone ou pessoalmente o Cratod buscando vagas para internação. Esse tipo de atendimento, quando há consentimento da família, no entanto, refere-se a internações voluntárias. Nesses casos, não há mudança no procedimento.
Todos os órgãos do Judiciário envolvidos no procedimento compulsório terão acesso a fichas de acompanhamento dos casos em que for decido pela internação, com datas de internação e tratamentos adotados. Essa medida, segundo membros do Judiciário ouvidos pela RBA, aumenta a fiscalização da política de tratamento a dependentes químicos.
Caso a avaliação dos relatórios de pacientes internados indique que o tratamento é falho, por exemplo, novas internações podem ser negadas, afirmou o presidente da Comissão de Estudos Sobre Educação e Prevenção de Drogas e Afins da OAB/SP, Cid Vieira de Souza Filho.
Como vai funcionar
Assim que chegarem ao Cratod, os pacientes serão avaliados clinicamente. Caso a equipe médica conclua que é preciso realizar a internação, a vontade do dependente será questionada. Caso ele não queira ser internado, um laudo de argumentação da necessidade da intervenção servirá como base de um processo jurídico. O defensor público sempre irá defender a vontade manifesta pelo paciente. Se ele não quiser ser internado, os defensores vão defender a não internação junto a um dos dois juízes presentes ao plantão, apresentando alternativas de tratamento. Caso a decisão seja aprovada, as pessoas serão encaminhadas aos locais para internação.
Contrários
Um grupo com cerca de 20 pessoas protestou em frente ao Cratod durante o lançamento das medidas. Para os manifestantes, a internação compulsória viola os direitos dos indivíduos e faz parte de uma política higienista do governo do estado.
“Eles estão começando do final e não do começo”, lamenta o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua. Para ele, as medidas anunciadas não garantem atendimento adequado aos dependentes químicos. “Nós não temos CAPs (Centro de Apoio Psicossocial) para toda a cidade. Temos só 22, e, desses, só dois funcionam 24 horas. Precisamos ter uma rede de atendimento na cidade que cubra toda a demanda. Hoje, por exemplo, se todos que estão aqui quiserem se internar compulsoriamente, tem lugar? Não tem. A internação compulsória está prevista na lei, mas é considerada uma exceção”, reclama o padre.