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Ponto de vista: a portaria do aborto e a reedição do debate moralista de 2010

Na contramão de parte da sociedade, candidatos à presidência da república se pautam pela agenda conservadora

O veto à portaria 415, anunciado ontem (29) pelo Ministério da Saúde, que visava regulamentar a prática dos casos de aborto previstos em lei  e aumentar o repasse financeiro aos hospitais públicos foi um banho de gelo a todos os personagens envolvidos e principalmente aos grupos feministas que comemoravam tal medida, que não era um avanço em si, mas apenas ratificava algo já existente.

Choca ainda mais os motivos alegados pelo ministério para tal veto: “falta de acordo entre os gestores técnicos” e “imprecisão de redação e gasto”. Como pode uma portaria de tamanha importância e abrangência ser publicada sem um consenso interno dos técnicos da pasta da Saúde? E é muito estranho que a derrubada da portaria se dê dois dias depois do PSC fazer alarde nacional de que o governo federal “desdenha da família” e que, antes mesmo de se oficializar o veto, o senador fundamentalista Magno Malta (PR-SC) tenha ido à tribuna do Senado agradecer o ministro Arthur Chioro por voltar atrás. Frente a isso, fica difícil acreditar, como disse o ministério, que o veto ocorreu sem “interferência externa”.

A esta altura do campeonato já temos definido os principais postulantes à presidência da república: Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB). Todos eles, nos últimos meses têm feito declarações que revelam o discurso que vão defender no debate eleitoral. É impressionante, mas parece que todos desconhecem o que ocorreu nas ruas do Brasil em junho de 2013, pois, até o momento os três candidatos ignoram, ou melhor, se mostram contrários às pautas apresentadas. A impressão que se tem é que vivem em uma redoma completamente descolada da ânsia popular apresentada àquela altura.

A respeito da legalização da maconha, tanto Aécio quanto Campos já declararam que “vão combater o tráfico” e que, com a “epidemia do crack” não é o momento de se debater a descriminalização e regulamentação da maconha. Rousseff ainda não se pronunciou a respeito. Além de misturarem a questão do crack com a da cannabis, se mostram favoráveis à guerra às drogas; nem uma vírgula sobre redução de danos, que tem tido êxito na cidade de São Paulo com o programa “Operação Braços Abertos”, da gestão Fernando Haddad (PT). Ignoram que está na ordem do dia, no mundo inteiro, uma alternativa a uma política de drogas que só atinge jovens da periferia.

O aborto é um tema proibido. O pior de tudo é que os candidatos nem se colocam à disposição para pelo menos trazer o debate, de pronto já dizem que a legislação atual é suficiente, que são contra o aborto e não acreditam que alguém possa ser a favor e isso desde sempre. No casamento igualitário, encontram concordância, porém, nenhum deles se atreve a se posicionar a favor da criminalização da homofobia. Basta analisarmos friamente e veremos que são assuntos que a bancada fundamentalista sempre coloca como moeda de troca: drogas, aborto e homofobia. Infelizmente, hoje, os três principais candidatos à presidência da república são reféns da agenda moralista.

Não é à toa, principalmente em meio à atual geração, que exista um forte ceticismo para com a classe política. E nem adianta dizer que são todos “coxinhas” ou “alienados”, trata-se de uma juventude em parte organizada e que está nas ruas, mas que é ignorada pelos mandatários do poder. Hoje, o sentimento geral é de que “são todos iguais” e a culpa não é deles. Quando todos esperavam que nesta eleição as questões ditas “polêmicas” ou “morais” fossem avançar, o que presenciamos é a reedição de um debate atrasado e descolado do debate social.

O que os candidatos progressistas, ou de esquerda, não percebem, é que desde 2010 os grupos reacionários têm se fortalecido neste recuo e concessão de agenda. Enquanto os partidos históricos e que sempre pautaram as questões citadas abrem mão de seus projetos de sociedade, os grupos fundamentalistas impõem a sua agenda e ganham cada vez mais força nos espaços de poder. Ou os candidatos e seu partidos políticos partem para a disputa de ideias e da sociedade ou ainda vamos acordar como parte da Europa: dominada por uma agenda xenófoba, racista, machista e fundamentalista.

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