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Procuradoria se posiciona contra MP que permite monitorar organização social

Órgão do MPF afirma que participação social “permitiu que direitos ignorados, histórias suprimidas e vozes sufocadas fossem publicamente discutidos e reconhecidos”. E aponta inconstitucionalidade

A participação social compreende “inclusão de todas as lutas, no espaço do Direito estatal; o fortalecimento do regime democrático e da democracia participativa; a orientação de políticas públicas que se desenvolvem em um ambiente de pluralismo e diversidade; e o controle da gestão pública”, diz a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, do Ministério Público Federal, que considera inconstitucional, em alguns aspectos, a Medida Provisória 870. Editada em 1º de janeiro, a MP permite, em seu artigo 5º, “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”, tarefa que caberia à Secretaria de Governo da Presidência.

Para a Procuradoria, ao falar em supervisionar e monitorar o texto “excede, em muito, as possibilidades de intervenção estatal nas organizações sociais” no país. “Não há liberdade de associação quando o poder público intervém na sua administração ou funcionamento”, afirma o órgão, que encaminhou nota técnica ao Congresso, que deverá votar a MP e ainda uma representação à procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para que ela considere a possibilidade de apresentar uma ação de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).

A Procuradoria ressalta que a MP desrespeita dispositivos do artigo 5º da Constituição, que trata da criação de associações sociais no Brasil, sem necessidade de autorização, com proibição de interferência estatal no funcionamento das instituições. Cita, entre outros, os itens sobre liberdade sindical, direito de greve, lei de iniciativa popular e ação popular.

“Trata-se de um documento que distribui fartamente direitos, que propõe-se a reorganizar os espaços sociais e a reorientar as relações entre as pessoas, atento sempre ao diverso e ao plural”, dia a Procuradoria. “Ele só foi possível porque os constituintes reconheceram a importância da participação social, e esta permitiu que direitos ignorados, histórias suprimidas e vozes sufocadas fossem publicamente discutidos e reconhecidos.”

O órgão lembra ainda que a maior parte dos países da região já dispõe de leis sobre participação institucional. “A participação política também é garantida por instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados e vigentes nessas nações, previstos inclusive no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos.”

Além disso, a Procuradoria sustenta que as normas já existentes satisfazem, “com folga, o controle das organizações da sociedade civil no que diz respeito à verificação da licitude de suas atividades e à gestão de recursos públicos”. E cita as leis de Improbidade Administrativa (8.429/2002), Anticorrupção (12.845/2013) e a 13.019/2014, que estabeleceu regime jurídico para parcerias entre entidades e a administração pública.

A PFDC afirma que a não interferência estatal é condição necessária para que as pessoas possam participar de projetos coletivos lícitos. “Não por acaso, recentemente a Comissão Europeia de Direitos Humanos chegou a notificar formalmente a Hungria por desconformidade de sua legislação sobre organizações sociais com a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.” O governo de extrema-direita da Hungria é visto com simpatia pelos atuais ocupantes do Palácio do Planalto.

No final da nota técnica, a procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, afirma que além da intervenção estatal possibilitada pela MP a “imprecisão de seus termos” tem potencial de inibir iniciativas “que levem adiante a grande utopia da Constituição de 1988, de uma sociedade ‘livre, justa e solidária'”.

 

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