Notícias

Reforma Psiquiátrica enterrada

Nova nota técnica do Ministério da Saúde explicita o desmonte, justificando até a internação de menores de idade

 

Não foi da noite para o dia: uma série de portarias e resoluções publicadas desde 2017 vêm desmoronando rapidamente o que a Reforma Psiquiátrica construiu nas últimas décadas. Mas agora há um documento que concentra as mudanças e explicita o desmonte. O Ministério da Saúde publicou uma nota técnica com “Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas”. Ao longo de 32 páginas, o texto resume as decisões que viraram de ponta-cabeça a política de saúde mental brasileira. Mas, obviamente, não diz desta maneira. Afirma, por exemplo, que as novidades tornam a política “mais acessível, eficaz, resolutiva e humanizada”.

A história começa em dezembro de 2017, quando a CIT (comissão que reúne o ministério e as secretarias de saúde dos municípios e estados) aprovou uma resolução que claramente ia na contramão da Reforma Psiquiátrica: o texto previa aumentar os repasses públicos para leitos em hospitais psiquiátricos e ampliar sua oferta, além de expandir as comunidades terapêuticas  (em geral filantrópicas) para o tratamento de dependentes químicos. Uma portaria do MS consolidou o início da transformação.

De lá para cá, já rolou muita coisa. Como as alterações na política de drogas – no ano passado, alinhado com as últimas mudanças, o Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas decidiu que o melhor método para tratar usuários seria a abstinência (jogando para escanteio a redução de danos) e, de preferência, o confinamento em comunidades terapêuticas.

O Congresso não ficou atrás no apoio às mudanças, e este ano foi criada uma Frente Parlamentar Mista em Defesa da Nova Política de Saúde Mental e da Assistência Hospitalar Psiquiátrica.

A nova nota técnica foi publicada sem alarde no dia 4 e agora começa a circular entre profissionais da saúde mental e militantes da Reforma Psiquiátrica. Ela explica detalhadamente como deve ser a nova formação da Rede de Atenção Psicossocial e ressalta que “o Ministério da Saúde não considera mais Serviços como sendo substitutos de outros, não fomentando mais fechamento de unidades de qualquer natureza”, numa referência aos leitos.

A internação de menores de idade também é tema da nota: “Vale ressaltar que não há qualquer impedimento legal para a internação de pacientes menores de idade em Enfermarias Psiquiátricas de Hospitais Gerais ou de Hospitais Psiquiátricos. A melhor prática indica a necessidade de que tais internações ocorram em Enfermarias Especializadas em Infância e Adolescência. No entanto, exceções à regra podem ocorrer, sempre em benefício dos pacientes”. O embasamento para essa afirmação é um parecer do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. “Apesar de ser posicionamento de um Conselho profissional local, vale para embasar o tema”, justifica a nota.

O documento é assinado por Quirino Cordeiro Júnior, que no governo Temer coordenou a área de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas do Ministério da Saúde, sempre com a perspectiva de aumentar as internações. No último dia 25, ele foi nomeado Secretário Nacional de Cuidados e Prevenção às Drogas da Secretaria Especial de Desenvolvimento Social.

Deixe um comentário