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Residência estudantil da USP tem pelo menos um agressor de mulher por andar

Os 42 agressores levantados até agora não representam, no entanto, a totalidade de casos: alguns chegam a ter cinco boletins de ocorrência registrados

São Paulo – Exigir relações sexuais como moeda de troca para ter acesso a uma vaga em um apartamento, ser perseguida até a porta de casa, conhecer casos de estupros dentro do local onde você vive. As estudantes que moram no Conjunto Residencial da Universidade de São Paulo (Crusp), um local para acolher gratuitamente alunos e alunas de baixa renda que vêm de outras cidades, convivem diariamente com essa realidade, de acordo com um dossiê preparado pelas próprias estudantes para denunciar casos de violência contra a mulher na residência estudantil.

De acordo com dados preliminares do documento, o Conjunto Residencial tem, pela média, pelo menos um agressor de mulheres em cada andar – ao todo são seis blocos, com oito andares cada um. Os 42 agressores levantados até agora não representam, no entanto, a totalidade de casos: alguns chegam a ter cinco boletins de ocorrência registrados. Já são pelo menos 50 ocorrências, desde 2013, levantadas a partir de boletins de ocorrência e relatos de vítimas, incluindo casos de violência sexual, física e psicológica.

“A violência contra a mulher nas universidades é recorrente e para quem mora dentro dos campi é ainda mais inseguro, já que elas vivem no local onde ocorrem as agressões”, afirma a presidenta da União Nacional dos Estudantes, Carina Vitral. “A postura da universidade de se esquivar é muito recorrente. Ela devia se responsabilizar por todo tipo de ocorrência e, principalmente, prevenir que elas ocorressem, com melhora da segurança, com campanhas de combate à violência contra a mulher e com o acompanhamento das vítimas.”

O último caso notificado ocorreu na madrugada da última quarta-feira (6), quando uma aluna foi espancada pelo namorado e por mais um homem na cozinha coletiva do bloco destinado aos alunos da pós-graduação. Como resposta, um grupo de alunas ocuparam a sede da Superintendência de Assistência Social (SAS) da universidade, que administra o Crusp, exigindo que a instituição expulse os agressores da moradia estudantil e que puna os responsáveis. Hoje (12) haverá uma assembleia geral com os estudantes da USP para definir os rumos da ocupação.

“Em muitos casos, as assistentes sociais sabem quem são os agressores e mesmo assim colocam mulheres para morar com eles. A SAS não toma providências”, disse uma estudante da universidade, que preferiu não se identificar. “São casos difíceis porque o próprio Diretório Central dos Estudantes não está comprometido com a luta no Crusp. A residência é muito isolada, mesmo sendo dentro da universidade, porque envolve pessoas de baixa renda que, historicamente, recebem pouca atenção”, critica outra aluna.

Em nota, a USP afirmou que todos os casos são apurados através de uma sindicância interna com direito a defesa. “Se comprovado o delito, o responsável responde legalmente pelo ato de agressão, podendo, em alguns casos, chegar até à suspensão e perda da moradia. Além disso, a Unidade de Ensino e Pesquisa à qual o estudante está ligado é notificada para que sejam tomadas as providências devidas e pertinentes”, diz o texto.

As manifestantes chegaram a ter uma reunião com o superintendente de Assistência Social, Waldyr Antônio Jorge, na última semana e pediram que ele autorize a criação de uma comissão autônoma, referendada pela universidade e formada só por mulheres, para apurar os casos. Jorge negou o pedido, por julgar que ele feriria o regimento interno da universidade, e convocou ele mesmo uma comissão, formada por um professor e três funcionários.

“Levantamos um caso de um aluno do Instituto de Matemática e Estatística que espancava a companheira, mas e a comissão mista, composta dos professores e assistentes sociais, se omitiu frente à violência, porque o orientador do menino falou que ele tem média alta e que traz muitas publicações para a universidade”, acusou uma aluna que não quis se identificar, temendo represálias.

Mulheres na universidade

Ao todo, 67% das estudantes universitárias já foram alvos de agressões por parte de colegas dentro dos campi em que estudam, aponta a pesquisa Violência contra a Mulher no Ambiente Universitário, realizada pelo Instituto Avon, em parceria com o Data Popular, e divulgada em fevereiro passado.

Foram ouvidos 1.823 universitários dos cursos de graduação e pós-graduação de ambos os sexos entre setembro e outubro de 2015. Segundo o levantamento, 37% dos universitários revelaram já ter cometido algum ato de violência contra as estudantes.

Ainda sobre a USP, foi instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) uma comissão parlamentar de inquérito (CPI), em dezembro de 2014, para apurar as denúncias de violência contra a mulher dentro da universidade, especialmente na Faculdade de Medicina.

A decisão foi tomada após a Comissão de Direitos Humanos da USP receber uma série de relatos sobre estupros, agressões e trotes violentos. O relatório final da comissão inclui relatos de 112 estupros, ao longo de 10 anos, nos campi ligados à área de saúde em Pinheiros, zona oeste paulistana.

No Rio de Janeiro, na Universidade Federal Rural (UFRRJ), pelo menos 19 casos de violência contra a mulher foram denunciados na 48ª Delegacia de Polícia, mais próxima ao campus, no último ano. Na semana passada, as estudantes fizeram um ato no prédio principal da universidade para denunciar as agressões.

“Esse tipo de crime sempre ocorreu. Há registros de violência contra a mulher na Federal Rural desde a década de 1970. A situação piora porque elas estão em uma região muito afastada no Rio de Janeiro, que não tem uma infraestrutura muito boa e elas ficam muito isoladas”, diz a escritora e militante feminista, Maria Gabriela Saldanha. “Sempre houve violência contra a mulher nas universidades, o que ocorre agora é que os casos estão sendo mais denunciados e mais debatidos.”

No mês passado, a estudante de biologia da Universidade de Brasília (UnB) Louise Ribeiro foi assassinada por outro aluno da instituição após ser dopada com clorofórmio, como informou a Polícia Militar do Distrito Federal. A jovem morreu após ser forçada a ingerir o tóxico dentro do laboratório do curso por volta das 22h de 10 de março. O motivo do homicídio foi a recusa da jovem em ter um relacionamento com o rapaz. A PM prendeu o estudante Vinícius Neres, de 19 anos, que confessou o crime.

“Na maioria das vezes os procedimentos são sempre lentos, os agressores são reavaliados e as mulheres vítimas tem que continuar convivendo com ele. As universidades não podem abafar esses casos e mantê-los como uma coisa que vai desonrar a imagem da instituição. Elas têm de dialogar com essas mulheres, ouvir seus anseios e repensar o espaço e a oferta de segurança junto à comunidade acadêmica, além de acompanhar a investigação dos casos”, diz Maria Gabriela.

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