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‘Se não pode proteger o usuário, a ANS deveria fechar as portas’

Advogada Marli Sampaio, da SOS Consumidor, diz que a ANS deve normatizar, fiscalizar e aplicar sanções. Porém, permite que os convênios façam o que bem entendem quando está em jogo a saúde e a vida

São Paulo – Autoridade máxima no setor de planos de saúde no país, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi criada para regulamentar, fiscalizar e aplicar sanções a essas empresas, que devem ser monitoradas de perto. “No entanto, a agência permite que os planos se assenhorem da vida das pessoas, façam o que bem entendem quando o que está em jogo é a saúde, a vida as pessoas, e não pratos caros em centro gastronômico”. A opinião é da advogada Marli Sampaio, presidenta da SOS Consumidor e ex-diretora da Fundação Procon de São Paulo.

Para Marli, que não esconde a indignação ao falar sobre a atuação da ANS, principalmente no caso Unimed Paulistana, seus diretores “deveriam entregar os cargos e fechar as portas do órgão, quando vêm a público dizer que fizeram tudo o que podiam”.

No dia 2 de setembro, a ANS determinou a alienação compulsória de sua carteira com 774 mil clientes devido a uma grave crise financeira por conta da má gestão da direção anterior, confirmada ontem por uma auditoria. As dívidas tributárias ultrapassam R$ 97 milhões.

No último dia 25, a agência assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com a Unimed Paulistana, Central Nacional Unimed e Federação das Unimeds de São Paulo, mais a Fundação Procon e os ministérios públicos federal e paulista. O acordo prevê a migração de consumidores da Unimed Paulistana para planos dessas operadoras por meio de portabilidade extraordinária, sem carência.

O acordo, porém, tem sido criticado pelos órgãos de defesa do consumidor justamente por não garantir o mesmo preço e a mesma rede credenciada de seus contratos com o antigo plano. Tanto é que os antigos clientes da Unimed Paulistana estão recebendo propostas de planos mais caros e com rede credenciada bem inferior. Muitos deles até farão sacrifícios para continuar cobertos por um plano particular. Muitos outros, porém, não terão como pagar e recorrerão ao Sistema Único de Saúde e há milhares de outros que irão à Justiça.

Questionada sobre essa situação enfrentada pelos usuários da operadora, a ANS, por meio de nota oficial enviada à reportagem da RBA, afirmou que eventuais diferenças na rede e preço “são decorrentes do fato de os consumidores estarem iniciando um novo contrato com novas empresas, pois sua empresa original não tem mais condições de permanecer no mercado”.

E ressaltou que repassar para outras empresas as mesmas combinações de rede assistencial e preços praticados pela Unimed Paulistana “pode desequilibrar essas outras operadoras colocando novamente em risco a assistência dos ex-consumidores da Unimed Paulistana bem como os consumidores prévios das empresas recebedoras”.

Ainda segundo nota oficial, além dos planos exclusivos para os consumidores da Unimed Paulistana com descontos de, pelo menos, 25% sobre o valor de mercado, há outras opções de planos individuais nas operadoras do Sistema Unimed que também pode ser escolhidos pelos beneficiários com aproveitamento das carências já cumpridas.

E que, diariamente, desde o inicio da portabilidade extraordinária de carências, a maioria dos consumidores que vem procurando os pontos de atendimento consegue satisfazer suas necessidades de rede e preço, já saindo desses locais com a nova carteirinha e já podendo utilizar seu novo vínculo com a nova empresa sem o cumprimento de novas carências.

Para a ANS, a via judicial pela busca de outros caminhos não é impedida ou perturbada pelas ações já tomadas pelos órgãos de defesa do consumidor, “entretanto, tem desfecho incerto e não proporciona imediatamente aos consumidores as garantias que o TAC obteve.”

Por fim, ressalta que a ANS e os demais órgãos de defesa do consumidor “encontram-se vigilantes e em monitoramento para coibir abusos. Entretanto, não se deve criar expectativas para os consumidores que não podem ser satisfeitas. As soluções possíveis criadas para que outras empresas recebam consumidores de empresas em saída do mercado precisam respeitar as leis e preservar o funcionamento do setor para todos. Atualmente, mais de 95% dos consumidores da saúde suplementar encontram-se em empresas seguras e longe de situações como essas”.

Para a presidenta da SOS Consumidor, a ANS não pensou nos usuários que pagam seus planos de saúde ao favorecer as operadoras. No caso da Paulistana, poderia ter agido muito tempo atrás, quando já havia detectado problemas. “As medidas podiam ser tomadas aos poucos, primeiro proibindo a venda de planos, depois impondo um prazo para a transferência das grandes carteiras para outros planos, como a de grandes empresas, para que o setor pudesse ir absorvendo esses clientes todos”, diz Marli.

Outro erro, segundo ela, foi decretar a alienação compulsória de toda a carteira, de uma só vez, num momento em que o mercado não consegue absorver mais de 700 mil usuários de uma vez. “Eles não podem só pensar na empresa, e sim na parte mais fraca. Por isso, Unimed e ANS deveriam parar e pensar onde erraram para propor soluções. Tem gente morrendo, deixando de ser atendida, com problema sério de saúde, sem poder fazer tratamento. Sofre a ponta mais fraca, que é o consumidor.”

Quanto ao TAC, ela defende que o Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo, a quem cabe a homologação, deveria autorizar diligências para conferir as condições em que essas pessoas estão indo para esses novos planos de saúde. “Seria uma boa medida do Conselho Superior. No momento, não há ninguém que possa fazer algo além deles.”

Procurado pela reportagem, o MP paulista informou, por meio de nota assinada pelo promotor Gilberto Nonaka, que o TAC visa a assegurar uma “garantia mínima” ao consumidor que, caso não concorde com ele, poderá buscar outros direitos junto ao Poder Judiciário.

“No caso da Unimed Paulistana, nenhuma operadora de plano de saúde de grande porte aceitou receber a carteira, em razão do passivo existente. E para evitar o sofrimento desnecessário de mais de 740 mil consumidores – com a concessão de prazos para a oferta pública da carteira –, os Órgãos subscritores do TAC (Ministério Público do Estado de São Paulo, Ministério Público Federal, Procon e ANS) resolveram passar logo para a Portabilidade Extraordinária, mas dirigida, inicialmente, às empresas do Sistema Unimed (Central Nacional Unimed, Unimed Fesp e Unimed Seguros)”.

O MP afirma que a portabilidade extraordinária assegura aos consumidores o direito de não cumprir carência, mas não preço e rede. “No caso do TAC se limitou o valor que seria cobrado do consumidor e se impôs um mínimo de hospitais, clínicas e laboratórios que deveriam ser oferecidos, com a possibilidade de aumento da rede, caso seja insuficiente.”

Na opinião de Marli, mudanças administrativas na agência podem não resolver, e sim mudanças de postura em relação à Unimed e outras operadoras, obrigando a manutenção de preço e rede. “Plano de saúde no Brasil é caríssimo. A maioria das pessoas paga porque se sacrifica, não porque tem dinheiro para isso.”

Para a advogada, é necessária uma revisão dos preços de todos os planos. “Deviam chamar todo mundo de novo. Ver os preços que estão praticando. Houve uma época em que havia algum cuidado (da agência) para que os planos não fizessem o que bem entendessem. Hoje em dia o mercado está à deriva”, diz.

Marli entende que a omissão da agência guarda relação com a entrada de ex-executivos ou prestadores de serviços das empresas do setor, que para lá retornam quando deixam a agência. “Se menos diretores saíssem de lá para irem trabalhar em planos de saúde, a agência seria mais atuante, com mais vontade de fiscalizar.”

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