Por Cinthia Vilas Boas / Vice-presidenta do SinPsi
Conceição Evaristo, escritora negra. Ruth de Souza nasceu em 12 de maio de 1921, no bairro do Engenho de Dentro, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Benedita Sousa da Silva Sampaio, mulher negra, servidora pública, professora, auxiliar de enfermagem, assistente social e política brasileira. Elza Soares, cantora, mulher negra de fibra, com história de luta contra o preconceito, consagrou-se como uma das maiores intérpretes da música mundial. Carolina Maria de Jesus, autora brasileira, considerada uma das primeiras e mais destacadas escritoras negras do país, mulher negra, catadora de materiais recicláveis. Lélia Gonzalez, mulher negra, filósofa, antropóloga, professora, escritora, intelectual, militante do movimento negro e feminista. Virginia Leoni Bicudo, mulher negra, pioneira da psicanálise no Brasil.
Tereza de Benguela, mulher negra, foi liderança quilombola que viveu durante o século 18, e com a morte do companheiro se tornou a rainha do quilombo do piolho, na divisa do Mato Grosso e Bolívia. Sob liderança, a comunidade negra e indígena resistiu à escravidão por duas décadas, sobrevivendo até 1770, quando o quilombo foi destruído pelas forças de Luiz Pinto de Souza Coutinho, capitão general do Mato Grosso: a população foi morta ou aprisionada.
Nós em várias. Somos tantas, somos muitas. “A carne mais barata do mercado”, como ecoa o grito de Elza Soares, é também a que mais resiste. A política de cotas abriu as universidades para que milhares de mulheres negras pudessem estudar e lutar por igualdade nas relações de trabalho e na sociedade. Hoje somos muitas psicólogas negras que trazemos na cor da pele e no suor do trabalho de cada dia, a herança e as marcas de nossa ancestralidade, de nossas raízes e, assim, podemos compreender com protagonismo o que é o racismo. Nosso lugar da fala nos permite também ouvir o outro, ajudar, cuidar, refletir a intervir para uma sociedade melhor.
Lembrar a história das que vieram antes e das que estão aqui agora é uma das maneiras de “demarcar” a data, permitir reflexões acerca das opressões sofridas pelas mulheres negras latino-americanas e caribenhas. A história já foi marcada, e marcar novamente é dar visibilidade às histórias de vidas de outras tantas Terezas, tão importantes para a nossa história.
História em movimento
A data de 25 de julho foi regulamentada a partir da Lei nº 12.987/2014, sancionada pela presidenta Dilma Rousseff, como o Dia Nacional de Tereza de Benguela e da Mulher Negra.
Em 1992 foi organizado o primeiro Encontro de Mulheres Negras Latinas e Caribenhas, em Santo Domingos, na República Dominicana, em que discutiram sobre machismo, racismo e formas de combatê-los. Daí surgiu uma rede de mulheres que permanece unida até hoje. Nossos passos vêm de longe, das muitas mulheres do movimento negro, conduzidas pelas falas de Jurema Werneck, negra, médica sanitarista. Do encontro, nasceu também o Dia da Mulher Negra Latina e Caribenha, lembrado todo 25 de julho e a data que foi reconhecida pela ONU.
O objetivo não é festejar e nem receber parabéns. É fortalecer as organizações voltadas às mulheres negras e reforçar seus laços, trazer mais visibilidade para sua luta e pressionar o poder público. É discutir os privilégios das mulheres da elite branca no acesso à saúde, educação, moradia, lazer, entre outros. No Brasil, no Caribe e na América Latina em geral, somos mulheres negras. A cor da nossa pele marca uma história de sofrimento, de racismo e não podemos ser coniventes com isso, muito menos lamentar a história. Como profissionais da psicologia, podemos dar outros sentidos para as dores, para história e para o momento de cada pessoa. O sofrimento pode ser individual, mas as saídas são coletivas, apenas intervindo e mudando a realidade vamos apontar para uma sociedade sem racismo, sem preconceito, sem misoginia. Essa sociedade, com certeza, não é a capitalista.
Está mal e pode piorar
Dados do Atlas da Violência 2019 indicam aumento do feminicídio no Brasil nos últimos dez anos, com crescimento de 30,7%.
Enquanto entre não negras o crescimento é de 1,7%, entre mulheres negras esse dado passa para 60,5%.
Em 2017, a taxa de homicídios de mulheres não negras foi de 3,2 a cada 100 mil mulheres não negras, enquanto entre as mulheres negras a taxa foi de 5,6 para cada 100 mil mulheres.
Tentam nos matar e muitas vezes conseguem, e muitas dessas vezes não acontecem a morte física, da matéria, mas a morte subjetiva. No entanto, resistimos, combinamos não morrer. Vivemos tecendo cada dia de luta, construindo o amanhã, nos cuidando.