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Defesa das creches ligadas à USP repete luta de 40 anos atrás

Funcionários e alunos da Universidade de São Paulo, e seus filhos, fazem passeata na Cidade Universitária cobrando a reitoria por uma solução para greve que já dura 95 dias

São Paulo – Quase 40 anos depois estudantes, docentes, funcionários e seus filhos voltaram às ruas da Cidade Universitária para a segunda edição da Passeata dos Bebês e das Crianças da USP. A pauta é praticamente a mesma de quatro décadas atrás: a defesa das creches vinculadas à Universidade de São Paulo, em greve há 95 dias – maior paralisação de sua história.  Enquanto os trabalhadores pedem 9,78% de reajuste salarial, a universidade disse que não haverá aumento este ano.

Cerca de 200 pessoas, quase metade delas crianças, percorreram ontem (28) as ruas da Cidade Universitária, no Butantã, com cartazes, balões coloridos e muita cantoria, como a versão adaptada de “o ‘reitor’ não lava o pé”, até a entrada do prédio que abriga a reitoria. Lá fizeram um colorido piquenique e entregaram uma indigesta carta ao reitor Marco Antônio Zago, exigindo imediata abertura das negociações e solução para a crise que tem prejudicado o ano letivo das crianças da educação infantil.

Em agosto de 1975, funcionários, alunos e professores fizeram uma marcha com seus filhos reivindicando a construção de creches para a comunidade uspiana. A manifestação ficou conhecida como “Marcha dos Bebês” e emplacou de vez a carência na pauta de reivindicações sindicais. Em 1982, a USP inaugurou sua divisão de creches, com a criação da primeira instituição, a Creche Central, ao lado da Faculdade de Educação.

Atualmente são cinco instituições, duas no campus do Butantã, uma na Faculdade de Saúde Pública, na zona sul da cidade, e outras duas no interior do estado, em Ribeirão Preto e São Carlos. “Foi um movimento muito grande aqui, com a participação de vários destacados professores, que na época eram estudantes, como Cenise Vicente, Silvia Helena Cruz, Yves de La Taille e Marta Khol de Oliveira”, explica a psicóloga Ana Maria de Araújo Mello, de 59 anos, que participou da luta por creches em outras universidades estaduais e esteve na histórica marcha das mulheres do ABC, em 1979, quando esposas de trabalhadores, e seus filhos, cruzaram São Bernardo pedindo anistia aos presos políticos e contra o corte de salários.

“A passeata na USP ajudou a inspirar o movimento das mulheres no ABC. De lá para cá, essa manifestação, que editamos hoje, mostra a decadência da universidade. As creches chegaram a atender 800 crianças e hoje recebem apenas 500. Um grande desmonte”, diz Maria.

Impactos da greve

A mobilização dos pais ocorreu principalmente após algumas entrevistas na revista Veja e na rádio CBN, dadas pelo reitor Marco Antônio Zago, em que afirmou que não haveria impacto “nenhum” com a greve e acusou os grevistas de cometerem “atos ilegais”. Questionado sobre sua proposta para a solução do imbróglio, disse que seria “dizermos aos grevistas que não há condição de dar aumento salarial”.

A apatia despertou revolta entre os pais e mães dos alunos das creches, que se reuniram para elaborar um documento, entregue ao fim da passeata no prédio da reitoria. Nele, cobraram a efetivação das negociações com a comunidade USP e a garantia da educação básica dentro da universidade. “Ficamos indignados quando ele disse que o impacto é zero. São quase 350 crianças, muitas choram todos os dias a falta das aulas”, reclama Cíntia Vequi-Suplicy, de 32 anos, funcionária do laboratório de Física e mãe da pequena Ceiwyn, de 3 anos. Ela matriculou a filha, provisoriamente, numa creche privada. “Gasto 1,4 mil reais. Um peso enorme na família. Mas é o melhor para ela, não dá para ficar tanto tempo sem aula.”

Funcionário da Faculdade de Filosofia, Felipe Larios, de 28 anos, desdobra-se nos cuidados da Julia, de um ano e quatro meses, e as atividades sindicais. “Apoio a greve, o que queremos é a negociação. A falta da creche atinge principalmente aos alunos, muitos sem outra opção onde deixar seus filhos. Alguns saíram do emprego e outros até trancaram seus cursos.”

Gislaine Cristina de Oliveira, de 32 anos, funcionária da faculdade de Educação, e mãe de duas crianças, que até o ano passado estavam matriculadas nas creches da universidade, vê o momento como crítico. “Há um plano de enxugamento. Da mesma forma que querem desvincular o Hospital Universitário (HU) e desvincularam, no Conselho Universitário, o Centrinho (Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais) de Bauru, as creches e a Escola de Aplicação ficam ameaçadas”. A funcionária tem organizado, junto com outros professores e funcionários, um seminário sobre a educação básica na universidade. “Estes espaços (educação básica) são associados à pesquisa e extensão e não simplesmente à assistência social”, defende.

A preocupação sobre uma possível desvinculação das creches ganhou força após o vazamento do documento “recuperação da USP”, supostamente hackeado do computador pessoal do reitor Marco Antônio Zago no último dia 13 e que foi distribuído aos trabalhadores e órgãos da imprensa. Nas três páginas digitadas, algumas medidas como a redução de carga horária com consequente redução de salário, a transferência do Hospital Universitário e o Centrinho para a Secretaria Estadual de Saúde e um plano de demissão voluntária. Além disso, o documento propõe rever subsídios aos estudantes carentes, como auxílios refeição, moradia e creche, priorizando as atividades-fim da universidade.

A reitoria lavrou um boletim de ocorrência na delegacia da região e abriu sindicância para apurar as responsabilidades pelo vazamento da carta. Publicou ainda um vídeo onde Zago confirma algumas medidas.

Em meio à crise estão também os educadores das creches, que exercem a função de técnicos de apoio educativo e travam uma luta para serem reconhecidos como professores. “Não temos esse reconhecimento nem na nomenclatura e nem nos direitos”, lamenta a funcionária Marleide Viana de Figueiredo Gomes Lira, de 29 anos, ou apenas Nani, como é conhecida. A mudança implicaria equiparação salarial dos técnicos aos trabalhadores do nível superior. “Infelizmente, a universidade tem sinalizado que se houver impacto orçamentário, vai esperar.”

Em junho de 2013 foi aprovada da Lei Complementar 1202/13, na Assembleia Legislativa, criando os empregos de professor de Educação Infantil nas creches administradas pela USP. Porém, o processo de regulamentação não avançou na Comissão de Orçamento e Patrimônio da Universidade. “Talvez o caminho seja através da via jurídica”, diz Nani.

Além das creches, a universidade paga 4 mil auxílios-creche aos seus funcionários, alunos e professores.

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