No dia 24 de junho de 2020, a Câmara Legislativa aprovou o texto substitutivo do Projeto de Lei 3267/19, que prevê mudanças no CTB – Código de Trânsito Brasileiro.
Em relação à validade da CNH, o texto substitutivo aprovado sugere uma escala: dez anos para condutores com até 50 anos de idade, cinco anos para motoristas de 50 a 70 anos e, acima desta idade, a validade da CNH passa a ser de três anos.
Apesar do texto substitutivo prever, inicialmente, a renovação para motoristas profissionais a cada cinco anos, a proposta foi alterada e o prazo ficou o mesmo dos demais condutores, isto é, dez anos. Para entrar em vigor, o texto ainda precisa de aprovação no Senado.
O que pode significar a avaliação psicológica e médica de 10 em 10 anos para uma/um profissional que trabalha todos os dias em um trânsito caótico? Manter a lógica do capital, na qual tempo é dinheiro e os aparentes ganhos financeiros são erroneamente compreendidos como mais vantajosos do que as medidas de segurança, traz mais prejuízos. Segundo estimativa da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), os acidentes de trânsito custam, à maioria dos países, cerca de 3% de seu produto interno bruto (PIB). Segundo a referida entidade, as lesões ocorridas no trânsito provocam perdas econômicas consideráveis para os indivíduos, suas famílias e os países como um todo[1].
Sem investimentos em saúde, educação e segurança, vale a ótica do mais forte, e nesta o pedestre é, por vezes, considerado apenas um obstáculo. Uma estrutura cruel também para aqueles que trabalham muitas vezes sem os equipamentos de segurança, como no caso de profissionais que utilizam bicicletas e motocicletas para transporte de mercadorias.
O número de problemas psicológicos relacionados ao estresse e sobrecarga de trabalho é cada dia maior, incluindo o elevado número de acidentes. A segurança depende da saúde da/o motorista, de sua habilidade física, da manutenção da atenção e do controle emocional, dentre outras habilidades a serem avaliadas.
A injustiça social cobra cada vez mais caro de todos nós. Empurrados por necessidades econômicas, muitas/os brasileiras/os, independente da formação e de treinamento para dirigir veículos automotores, procuraram uma forma de obter renda através do trabalho como motorista de aplicativo. Há, também, as/os profissionais, submetidas/os ao estresse, que transportam pessoas como motoristas de taxi, transportes escolares, ônibus, entre outros.
Em tempos de isolamento social, as entregas aumentaram a demanda por trabalhadoras/es no setor, tanto para entregas como para transporte de pessoas e, infelizmente, alguns ainda acreditam que a única exigência para trabalhar é saber dirigir. Engano!
Avaliar as/os motoristas de 10 em 10 anos é deixar de acompanhar a/o cidadã/ão nas mudanças inerentes da vida assim como os impactos físicos e psicológicos causados pelo ambiente estressor: o trânsito. Isso sem falar nos conflitos emocionais característicos de cada fase da vida, que interferem e influenciam na forma de dirigir.
Como saber que a/o trabalhadora/or possui aptidão para exercer a função? A avaliação periódica de motoristas fornece dados sobre personalidade, estabilidade emocional, controle, flexibilidade cognitiva, atenção mínima necessária para não se envolver em acidentes prejudicando a si e ao outro, apresentar respeito a vida e as regras de trânsito, controle da impulsividade, agressividade e insegurança, características que tornam o condutor extremamente vulnerável.
O que pode representar a ampliação da validade da CNH de 5 para 10 anos, para além dos prejuízos apontados?
O texto do PL aprovado prioriza a idade da/o condutora/or e desconsidera a saúde da/o trabalhadora/or. Os inúmeros prejuízos causados por uma atividade profissional insalubre, principalmente nas grandes cidades, são invisíveis e reafirmam um posicionamento de desprezo pela saúde física e psicológica daquelas/es que trabalham em condições de risco elevado e submetidos ao estresse diário.
Priorizar a idade em detrimento das condições da atividade exercida evidencia, mais uma vez, a lógica individualista, neoliberal e perversa que está representada nas escolhas de alguns parlamentares.
Não podemos concordar que a avaliação periódica tenha uma duração tão longa, comprometendo o exercício da profissão da/o perita/o, que será obrigada/o a atestar por dez anos a saúde física e psicológica da/o condutora/or.
O Conselho Regional de Psicologia
e o Sindicato dos Psicólogos do Estado de São Paulo se opõem à extensão do prazo
de validade da CNH e acreditam que não só as/os condutoras/es profissionais
deveriam ser avaliadas/os periodicamente, mas toda/o cidadã/ão que convive no
trânsito.
[1] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5147:acidentes-de-transito-folha-informativa&Itemid=779