Por Danielle Bittencourt, Vanessa Fonseca e Márcio Segundo
Fonte: Outras Palavras
Em 2022, completam-se 53 anos de um dos maiores marcos do movimento LGBTIA+ no mundo: a rebelião de Stonewall. Reivindicar a memória de Stonewall é uma tarefa importante para todas as pessoas que lutam por direitos humanos e cidadania de forma indistinta. Muitos teóricos e ativistas têm nos ajudado a entender o papel das lutas por liberdade. Marielle Franco, mulher negra e bissexual, conseguia articular de forma ímpar em suas formulações e ações políticas a necessidade de se enfrentar violações de direitos impostas pelo sistema social nas suas mais diferentes expressões, inclusive na dimensão de violência LGBTfóbica. Se em Stonewall foi uma travesti negra e pobre, chamada Marsha P. Johnson, que esteve na linha de frente dos direitos da população LGBT, não é diferente nos dias de hoje.
Insurgindo contra toda forma de discriminação, vemos grupos organizados em favelas no Brasil fazendo ecoar as lutas de Stonewall mesmo depois de tantos anos. Um exemplo é o grupo “Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas”, liderado por Gilmara Cunha, que possui uma importante atuação no Complexo de Favelas da Maré. Atualmente, o grupo impulsiona ações políticas com projeção nacional e internacional, como a criação de um Centro de Cidadania LGBT da Maré e do Observatório de Violências LGBTI+ em Favelas, em parceria com o Data Labe. A atuação do grupo Conexão G nos mostra como a luta por expansão de cidadania convoca o Estado à implementação de políticas públicas específicas. Um Centro de Cidadania LGBT é uma ferramenta capaz de enfrentar as violências LGBTfóbicas e indicar horizontes de futuro para LGBTs a partir da articulação de políticas intersetoriais.
Apesar da crescente visibilidade das lutas contra a LGBTfobia e as mudanças na legislação, no tratamento dado nos meios de comunicação e na cultura, há poucos estudos sistemáticos sobre o impacto destas lutas na construção de uma sociedade mais democrática e inclusiva. Em 2021, o Instituto Atlas realizou pesquisa sobre o impacto da orientação sexual dos candidatos sobre a intenção de voto e o posicionamento político do eleitorado LGBT.
Os debates promovidos nos grupos focais com moradores/as da Maré indicaram como condições de vulnerabilidade desse grupo fatores estruturantes que envolvem dificuldade de acesso, pouca confiabilidade no serviço oferecido devido a casos anteriores de falhas no sigilo do atendimento e/ou discriminação, além de fatores pessoais, como concepções de cuidado e proteção que dificultam o “sexo seguro”. Em se tratando de uma pesquisa com moradores/as de favelas, a discriminação em relação à classe social e ao local de moradia surgiu com intensidade. Enquanto que, no grupo das travestis, a marca corporal foi apontada como fator importante de discriminação, no grupo de gays (formado por jovens negros), ser jovem e morador de favela foi indicado como fonte de maior discriminação e de influência preponderante para o tipo de tratamento que recebem nas unidades de saúde e em outros serviços.
Na percepção e nas experiências relatadas pelo grupo de participantes ouvidos, muitos fatores se somam para produzir desigualdades e discriminações, embora não tenha havido da parte deles menção explícita à questão racial. Nas palavras de um interlocutor do grupo de jovens homossexuais, desde que o gay da Maré “não seja muito afetado”, o principal fator de discriminação em vários serviços é o fato de ser morador de favela: “ Acham que só porque é morador de favela você não tem informação […] Os moradores de comunidade ainda sofrem muito preconceito. O principal é em relação ao local em que vivem. (Participante do grupo focal com jovens gays)”.
Na pesquisa na Parada LGBT da Maré, quando perguntadas sobre recomendações para melhorar os serviços de saúde para a população LGBT na comunidade, as pessoas combinaram em suas respostas tanto o apontamento de problemas percebidos quanto recomendações para uma ação mais abrangente do setor saúde. Chamaram a atenção tanto as constatações de falta de respeito, gentileza e cuidado no atendimento quanto os pedidos para mais ações de promoção da saúde e mais proximidade entre o setor saúde e a vida cotidiana da comunidade. Para serviços e profissionais, a indicação foi: “Ir mais pra rua, saber abordar. Tem gay que não é assumido”. Também foram apontadas demandas por mais investimentos em saúde e educação, divulgação dos serviços, produção de materiais educativos e ações de orientação e apoio social.
As recomendações, no geral, demonstraram uma compreensão bastante clara por parte dos/as entrevistados/as que relaciona a saúde não apenas como resultado de práticas curativas, mas de ações mais amplas, ligadas ao que foi denominado como “apoio social”, por meio de ações educativas e de promoção à saúde.
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