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Psicologia do trânsito diante do descaso e do estupro

Por Cris Carneiro*

Um amigo me chamou a atenção para uma matéria assustadora, que ainda não tinha visto e que me fez refletir não só sobre a nossa profissão de psicóloga do trânsito, mas a psicologia e a nossa sociedade atual.

O caso

Dias atrás, em Belo Horizonte, um motorista de aplicativo desembarcou uma mulher inconsciente e a deixou encostada em um poste de rua, de madrugada. Outra pessoa que passava por ali, carregou a garota de 22 anos até um campo de futebol ali perto e a estuprou. Câmeras registraram o ocorrido.

E o que a psicologia tem a ver com isso?

Quando avaliamos um motorista profissional, aquele que se enquadra como motorista de ônibus, caminhão taxista e motoristas de aplicativos, uma das características avaliadas é a maturidade do condutor e o relacionamento interpessoal. Pois bem, como um motorista de aplicativo pode deixar um cliente (mulher ou homem) inconsciente, encostada em um poste na rua na madrugada? Que tipo de relação com o outro esse condutor profissional tem? Que respeito com a própria profissão e com o ser humano esse profissional apresentou?

Nós, psicólogas/os, precisamos nos sentir em parte responsáveis por esse acontecimento absurdo? A resposta é sim

Que entregador profissional deixa uma mercadoria encomendada a qual ele é responsável na porta da casa do comprador?

Aplicativo também deve se responsabilizar

Os aplicativos de entrega parecem coisas modernas, mas em termos de relação de trabalho regredimos décadas. Em geral não há nenhum contrato, nenhuma obrigação por parte desses aplicativos, nenhuma responsabilidade com os clientes e, principalmente, com os trabalhadores, que acreditam ser empreendedores do próprio negócio, quando, na verdade, são escravos de um perverso sistema neoliberal.

Assim, a superexploração do trabalho leva esses profissionais de transporte à exaustão; em 2019, um motoboy teve um AVC durante uma entrega, a empresa (Rappi) foi acionada e nada fez, deixando-o para morrer na rua, sem socorro.

É necessário olhar para as duas pontas do problema: o cidadão, já insensível à condição de outra pessoa e o sistema de hiper exploração do trabalho. Ambos são sintomas de uma sociedade adoecida, o que aumenta ainda mais nossa responsabilidade como psicólogas/os.

Como enfrentar isso?

O caso de BH nos faz refletir sobre a sucessão de situações comportamentais: o amigo que coloca a pessoa fora de suas condições normais dentro do carro de um desconhecido; o motorista, que deixa a cliente inconsciente na madrugada encostada num poste; outro homem se acha no direito de estuprar uma mulher desacordada que vê na rua; e o aplicativo, que não assume qualquer tipo de responsabilidade.

Que sociedade estamos? Como a mulher é vista?

O que significa um profissional de trânsito que não zela pelo bem mais precioso e que é a vida do outro que ele transporta.

A avaliação desse cidadão em algum momento deixou passar o tipo de relação que ele tem com o outro, sua maturidade ou mesmo sua capacidade em tomar decisões em um momento de conflito.

É urgente pensa nessa dita civilização e civilidade.

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*Cris Carneiro é psicóloga do trânsito e diretora do SinPsi-SP

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