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Mulher: A rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa

“Rose is a rose is a rose is a rose” Gertrude Stein


Por Shellah Avellar


Preâmbulos femininos
Não somos livres para escolher o próprio assunto. Este se impõe. Se apodera de tudo.
A preparação psicológica pitoresca ou grotesca se dilui na intenção da narrativa.
Ideias se esvaem. Mergulho no escuro. Não enxergo senão a complexidade do tema: mulher e seu dia internacional em 8 de março.
Só isso já vai descompassar o ritmo da minha existência por alguns instantes. É preciso revirar cada palavra, num desatino de ator na troca de vestimentas e personagens em cena.
Será que diluindo o drama de se meter na obra “mulher”, redescobrindo a mim, compreenda cada nuança e não me julgue?
Pobre mulherzinha! Este montículo de segredos. Esta metáfora devorada pela eterna comparação entre seus pares e seus ímpares. Estes seios ofegantes. Coração aos pulos.
Cabelo de xale esvoaçante, que silenciosamente descobre sorrisos e desvenda lágrimas em trabalho de parto.
Melancolia da paixão. Lábios de romã. À espera de um longo e cálido olhar que a faça se sentir interessante.
Arte inventada na arena. E desconstruída por mágoas, traições e ansiedade.
Fada que transpõe o cotidiano para o maravilhoso. Poesia geométrica. Geometria desalinhada em rendas, sedas e veludos.
A mulher tem uma métrica mágica. Pormenores privilegiados. Cada uma tem sua poética. E é preciso encontrá-la. Feliz de quem a decifra. E finge não fazê-lo. Para preservar a obra-prima. A matriz da vida.
A triste realidade
As diversas formas de violência contra a mulher ainda estão presentes, assim como mecanismos de controle e de reprodução das desigualdades, constituindo-se em método para intimidar e subordinar a mulher, mantendo o desequilíbrio de poder nas relações e marcando a dominação masculina. Para conviver com essa realidade, ela “finge” não entender a “cantada” do chefe, ou do colega de trabalho, para garantir o emprego e ainda cala no peito o grito de suas mazelas, para não prejudicar ou assustar os filhos, quando maltratada pelo marido ou companheiro.
Até recentemente, no Brasil, antes de o novo Código Civil ter sido sancionado e publicado, o homem ainda era considerado o chefe da sociedade conjugal.
Esse pensamento estava respaldado pela ciência e medicina social, que atribuía à mulher certas qualidades, como fragilidade, recato, predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais, a vocação maternal.
Ao homem era atribuída a força física, natureza autoritária, empreendedora, racional, sexualidade sem freios. Tal conceito justificava que se esperassem das representantes do sexo feminino atitudes de submissão e um comportamento que não maculasse sua honra.
Dessa forma, existia uma forte repressão àquelas cujo comportamento fugisse às normas próprias da “natureza feminina”, ou seja, que não seguisse as regras estabelecidas e, na maior parte das vezes, a violência estava presente.
No princípio, era a parceria
“Na aurora da humanidade não podemos falar na existência de desigualdades entre o homem e a mulher. Naquele tempo, não existiam povos, nem Estados separados; os seres humanos viviam em pequenos grupos (hordas) e, depois, em famílias e tribos. Os seres humanos precisavam se manter agregados, solidários entre si, para sobreviver e se defender dos animais ferozes e das intempéries. Quem se marginalizava perecia. Logo, não havia uma superioridade cultural entre homens e mulheres”, pontua Zuleika Alambert, escritora e política brasileira, feminista histórica, no livro “História das mulheres no Brasil” (Editora Contexto, 2004). Ambos eram nômades e caçadores.
O primeiro passo na evolução da sociedade humana aconteceu a partir da formação das genes comunitárias, que se constituíam de grandes uniões de grupos humanos vinculados por parentesco, que se dividiram em clãs.
Nesse tipo de organização pré-histórica, explica Zuleika Alambert no livro citado, “a mulher trabalhava a terra, domesticava animais, cuidava das crianças, velhos e doentes, além de criar vasilhames, utilizar o fogo, preparar unguentos, poções, enquanto o homem ia à caça de alimentos”.
Embora fosse detentora de mais poder que os homens, vivia em regime de parceria com o sexo oposto. Nesse período, época em que a agricultura era a principal atividade da humanidade, acreditava-se que a mulher tinha poder mágico, o dom da vida, sua fecundidade fazia a fertilidade dos campos. Ela reinava, sim, como deusa. E hoje?
Os chefes da Organização para a Alimentação e a Agricultura (FAO), do Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), do Programa Mundial de Alimentos (PMA) e da Organização Internacional do Direito para o Desenvolvimento (IDLO) — esta última não vinculada ao Sistema ONU — destacaram a ligação entre a violência baseada no gênero e o desenvolvimento, em particular como isso afeta a segurança alimentar dos países em desenvolvimento, onde as mulheres constituem mais de quarenta por cento da força de trabalho agrícola.
A luta
Nas últimas décadas, a mulher, por meio do movimento organizado, tem conseguido muitos avanços, provocando transformações em todo o mundo, alterando suas condições de vida, o imaginário social e o comportamento em sociedade. Buscando condições mais dignas, igualitárias e justas, desbrava territórios antes exclusivamente masculinos, conquistando definitivamente espaços no mercado de trabalho e de participação política.
Expõe sua opinião e enfrenta desafios; denuncia injustiças em nome da coletividade ou ainda supera seus próprios dramas de vida, a miséria, a fome, a doença, as perdas emocionais e pessoais.
Hoje, como ontem, há exemplos de mulheres que transformam seu cotidiano, que vão à luta em busca de melhores condições de vida para si e sua família, enfrentando a violência concreta das ruas, para chegar a seus locais de trabalho. Um desses exemplos vem de muito longe.
Presente dos gregos
Hipátia de Alexandria (nascida aproximadamente em 350 d.C.), neoplatonista grega e filósofa do Egito romano, foi a primeira mulher documentada como matemática. Chefe da Escola Platônica em Alexandria, também lecionou Filosofia e Astronomia.
Algumas pesquisas apontam que o homicídio de Hipátia, em 8 de março de 415, resultou do conflito de duas facções cristãs: uma mais moderada, comandada por Orestes, e outra mais ortodoxa, seguidora de Cirilo, responsável pelo ataque.
Criada em um ambiente de ideias e filosofia, tinha forte ligação com o pai, que lhe transmitiu, além de conhecimentos, a forte paixão pela busca de respostas para o desconhecido. Conta-se que Hipátia também seguia rigorosa disciplina física, para atingir o ideal helênico de ter a “mente sã em um corpo são”.
Reconhecida pela capacidade de solucionar problemas, era procurada por matemáticos confusos que precisavam de uma solução. E ela raramente os desapontava, obcecada que era pelo processo de demonstração lógica.
Jamais se casou. Questionada sobre isso, afirmava que já era casada com a “verdade”.
Nenhuma obra, reconhecida pelos estudiosos como de autoria de Hipátia, sobreviveu. Muitas delas foram atribuídas a seu pai, Téon de Alexandria.
Esta modalidade de incerteza autoral é típica dos filósofos do sexo feminino na Antiguidade.
Portanto, faz-se necessário remover a mulher da posição de obscuridade em que ela se tem mantido por séculos nos livros e compêndios tradicionais de história. Afinal, sem ela, a história, como tem sido escrita, fica incompleta e, inevitavelmente, incorreta.

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